Amanda Souza | amanda.souza@grupoatarde.com.br | Foto: Maurícia da Matta | EC Vitória
O Barradão não chegou aos moldes modernos das Arenas. Ainda é um estádio raiz
Os esportes evoluíram muito ao longo dos anos. A prática e as técnicas foram desenvolvidas, os aparelhos foram aperfeiçoados, a tecnologia foi incorporada. A TV e a internet espetacularizaram ainda mais todo esse sistema. A briga por direitos de transmissão de grandes eventos como Copa do Mundo de futebol e Jogos Olímpicos não me deixa mentir.
Quanto à evolução, nada contra. É um processo natural, de fato. Se já estamos em 2019, por que nossos grandes espetáculos - me permita enquadrar o futebol nesta categoria - deveriam ficar em 1900 e alguma coisa? Sem chances. Mas o problema da evolução está no possível efeito colateral: a síndrome da grandeza. E nisso o futebol brasileiro - e seus mandatários - são referência.
Se há uma única conclusão possível após a leitura do que direi aqui, é de que o futebol não é para pobre. Não é para periféricos, favelados, menos favorecidos; não para os ‘sem um puto no bolso’, para os apertados, para o fim do mês e, às vezes, nem mesmo para os inícios. Esses que se contentem com as TV’s e seus canais abertos.
Em âmbito regional, explico-lhes melhor o que quero dizer com um exemplo: Esporte Clube Vitória, fundado em 1899 no Corredor da Vitória, tradicional bairro de Salvador, ainda como um clube de críquete, esporte muito disputado pela colônia britânica que residia na soterópolis. Hoje, a ‘sede’ do Vitória é no bairro de Canabrava, área não tão nobre da cidade.
O Barradão não chegou aos moldes modernos das Arenas. Ainda é um estádio raiz, como diriam; arquibancadas de cimento para maior parte da torcida e visitantes e uma pequena área de cadeiras, reservadas para sócios torcedores e para quem esteja disposto a desembolsar um pouco mais pelo show.
Para quem deseja sentar nas arquibancadas, a inteira custa R$ 40. Para as cadeiras, R$ 60. Ok, à primeira vista, não é um preço exorbitante. É ok para quem quer ir um fim de semana acompanhar o time. O programa de sócio torcedor do clube também pode-se dizer estar em conta, sendo um dos mais baratos em comparação ao restante do país.
A problemática que enxergo nesse contexto é uma raiz do que representa o Vitória para o bairro de Canabrava e seus moradores e as condições dessas pessoas de acessarem o aparelho que abrigam perto de suas casas. O clube movimenta o bairro e até mesmo gera renda, mas não me parece acessível a todos.
Uma vez conversei com um senhor na arquibancada do Barradão. Vitória e Vasco, em 2017, se enfrentavam pela terceira fase da Copa do Brasil. Se não me falha a memória, chamava-se Carlos e já estava lá pelos 50 anos. Ele me contava que morava nas proximidades e era torcedor do Vitória há muito tempo, “desde moderno”. Logo perguntei “vem sempre então, né?”. A resposta negativa me espantou e, ao mesmo tempo, me fez refletir.
Seu Carlos ressaltou que, para quem pouco ganha, os R$ 40 daquela arquibancada poderiam fazer falta. “O Vitória parece se lembrar bem de onde veio, mas esquece onde está”. Ainda o questionei sobre tornar-se sócio torcedor, e ele lembrou de outro sintoma. “Eu sei que torcedor de verdade vem sempre, mas olha pro campo e esses caras que estão jogando. Te dá vontade de pagar pra ver?”.
Essa história ficou por muito tempo guardada como apenas mais uma das que já vivi dentro do Manoel Barradas. Até que, em julho deste ano, li algo sobre uma fala do ex-presidente do Atlético Mineiro, Alexandre Kalil, que, bastante enfático, afirmou que o futebol não era público e nem deveria ser uma ajuda social.
No momento que li, lembrei de Seu Carlos, do Barradão, daquele jogo em que o Vitória venceu o Vasco e avançou para a fase seguinte da competição. Lembrei dos R$ 40 reais que doeram no bolso de Seu Carlos e até do R$ 20 que, graças à meia entrada, deixei na bilheteria.
E aí eu pensei: se nessa realidade “básica” de arquibancada de cimento e ingresso custando menos de R$ 50 o pobre já é excluído, imagina só no caso dos torcedores dos grandes clubes e dos jogos em arenas? Eu ainda reflito sobre isso a cada jogo e a cada espetáculo.
Dada a oportunidade, muito embora o sr. Alexandre Kalil tenha a probabilidade mínima de ler o que escrevo aqui, gostaria de responder àquela frase que me deixou tão inquieta: o futebol não é feito de público, certamente. As bilheterias não são a principal fonte. Mas é importante não esquecer que não há circo sem plateia; não há espetáculo sem torcedor. Não o negligencie.