Daniel Dórea | danieldorea@grupoatarde.com.br | Foto: Felipe Oliveira | EC Bahia
Ramires atuava como único armador ofensivo
Quando vejo um dirigente ou um treinador falar que o time está sentindo falta de um meia criativo, um camisa 10, um cara que ‘pisa na bola’ e controla o jogo, já sinto cheiro de canastrice. A posição de armador central é, talvez, a mais controversa do futebol moderno. Uns dizem que não existe mais. Estão errados. Outros acham que continua sendo a solução de todos os problemas, o coração da equipe. Errado também.
Um time precisa de muitos corações para funcionar. E, no meio-campo, a formação mais adequada ao momento, aquela que divide responsabilidades e confere variações à equipe, não possui um meia central. Com um volante mais recuado e dois armadores à frente, cada um trabalhando prioritariamente de um lado, a figura idílica do ‘camisa 10’ some. Não há o isolamento que faz com que esse jogador sempre seja presa fácil para os marcadores.
No Bahia em 2018, a equipe tinha essa figura: Eric Ramires. Com dois volantes mais recuados (Gregore e Nilton), o garoto da base atuava como único armador ofensivo. A chance da aposta do técnico Enderson Moreira não dar certo era grande, mas a inteligência fora do comum do menino de Águas Claras mudou o rumo da história e hoje ele é um dos jogadores mais valorizados do país.
A verdade é que, mesmo isolado no desenho teórico do esquema tático, Eric mostra a perspicácia de sempre se aproximar dos colegas para as tabelas. Demora pouco tempo com a bola nos pés e tem movimentação constante, para os dois lados e também em direção à área ofensiva.
Para 2019, o mercado que faz o Bahia aponta para uma possível mudança de posicionamento do time em campo. Mesmo que volantes defensivos como Nilton e Yuri tenham permanecido no elenco, a tendência é que nenhum dos dois entre na formação principal, que teria apenas um meio-campista mais recuado (Gregore) num 4-1-4-1.
No gráfico são apresentadas as participações de Guilherme (esquerda) e Shaylon no Brasileirão
A conclusão se dá a partir do fato de que o Tricolor contratou dois armadores centrais para a temporada: o experiente Guilherme e o jovem Shaylon. Assim, um deles trabalharia ao lado de Ramires à frente de Gregore, com dois atacantes abertos compondo a linha (Artur, Rogério e Elber aparecem como as principais alternativas).
No infográfico, tirado do site Footstats, apresento o mapa de participações de Guilherme (esquerda) e Shaylon em jogos em que eles foram titulares no último Brasileirão. Ao contrário do que pode sugerir a lógica, o mais veterano apresenta um volume de participação muito maior que o da promessa emprestada pelo São Paulo.
Pouco dinâmico
Shaylon ainda é um jogador tímido, pouco dinâmico, como ocorre com outros jovens que surgem com a pecha do ‘10’.
Experiente, Guilherme tem a qualidade de saber exercer todas as funções no setor ofensivo, com capacidade de armação, finalização e presença na área. A favor de Shaylon conta o fato de que, quando escalado pelo lado do campo, no jogo contra o Cruzeiro, mostrou-se até mais efetivo do que pelo centro, o que sugere uma possível evolução dentro da versatilidade que exige o futebol atual.
Como armador central, Shaylon foi escalado duas vezes como titular e teve atuações repetidas. Sumido, acabou substituído no segundo tempo. O exemplo do infográfico é do duelo com o Fluminense, no qual o atleta não pisou na área ofensiva, pouco apareceu em posição para finalizar de média distância (uma de suas principais virtudes) e distribuiu apenas 11 passes (nove corretos) em toda a partida. O desempenho foi bem parecido no triunfo sobre a Chapecoense.
Já o mapa de Guilherme corresponde às suas participações na vitória do Athletico-PR sobre o Botafogo, com presença marcante na área de ataque e em seus arredores, sem deixar de executar as funções de armador entre as intermediárias. Ele deu 51 passes (46 certos) e disparou duas finalizações. Numa dupla com Ramires, imagina-se um meio-campo tricolor de boa dinâmica, promissor.
No geral, o que chama a atenção na montagem do elenco do Bahia é a capacidade dos atletas de frente de jogar em diferentes posições na linha ofensiva, como é caso de Guilherme e Shaylon, além de Ramires, Rogério e outros. O que é interessante, pois fugir da previsibilidade é um dos desafios do esporte. E fica mais difícil e divertido tentar adivinhar qual será o time titular na cabeça de Enderson Moreira.