Até meus cinco anos, mais ou menos, a maior guerra que presenciei foi entre meus pais, ambos tentando definir minha paixão clubista. De um lado minha mãe, Bahia doente, coitada. Do outro, meu saudoso pai, rubro-negro ferrenho, capaz de tudo para manter a genética no seu filho. Dona Izildinha até tentou, mas a doutrina do velho João era mais forte, repleta de visitas a estádios lotados, fábulas e mentiras sinceras.
Na minha infância, o Vitória era campeão brasileiro, graças ao meu pai. Era incrível como todo jogo o Leão vencia, mesmo se o placar apontasse o contrário. Não existia tempo ruim no Rubro-Negro. Se duvidar, o Vitória tinha até vencido uma Liga Europa, segundo meu pai. Quando descobri as culhudas do meu velho, já era tarde. Meu coração já estava doutrinado, meu amor era vermelho e preto.
Esta doutrina de um pai/mãe na influência clubista do filho deveria ser copiada no Vitória (sem a parte da mentira). Preparar o garoto para amar o clube que ele iniciou a carreira é tão importante quanto a lapidação técnica. É criar uma forte identificação entre Vitória e sua cria, um potencial difusor da marca e defensor de sua história. Não é se limitar ao treino no campo. Pelo menos uma vez por semana, ou mais, aula prática de como beijar o escudo no momento da comemoração sem parecer falso. Disciplina de como adquirir sangue no olho em clássicos. Visitas constantes de antigos ídolos ao alojamento, saber de trás pra frente o hino do clube. Qualquer zorra que atice a paixão e idolatria pelo Vitória.
Não existe isso no Barradão. Até o slogan do clube aponta para um mecanismo meramente mercadológico: ‘fábrica de talentos’. Uma indústria que pega a matéria-prima para lapidar, exibir e vender. Por isso, temos muitos atletas da base fazendo história, mas fora daqui. No final, só conseguimos pensar na frase “aqui ele não fez nada”. Qual foi o último garoto da base que a torcida teve o gostinho de acompanhar como craque no profissional? Não tivemos nem tempo de ver o zagueiro Lucas Ribeiro ou o atacante Luan se tornarem referências no clube. Muitos saem pela porta do fundo, sem saudade, sem história.
Essa falta de identidade reflete na relação direta entre torcida e jogador. De um lado, a falta de paciência, uma virtude rara na arquibancada. A promessa precisa responder rapidamente aos anseios do torcedor, que apedreja mais que afaga. De outro, um atleta de saco cheio do clube, das pressões e vaias, querendo apenas respirar novos ares. É um ciclo vicioso que esvazia qualquer pretensão de ídolo caseiro.
Em 2020, entretanto, podemos dar mais valor aos nossos pupilos. Temos a base com o papel principal de vencer o Campeonato Baiano, mesmo com alguns agregados. No próximo domingo, teremos o Ba-Vi mais importante dos últimos tempos, com o verdadeiro Vitória, aquele que é semeado ainda no campo de barro do Perônio, terra fértil de grandes craques como Dida, Alex Alves e cia. Este Vitória do Baianão me interessa mais.
Por isso, torcedor, lote o estádio, mas deixe a impaciência em casa. Será torcida única, a nação rubro-negra que vai determinar que tipo de pressão vai exercer na molecada. A boa, que empurra e empolga nossos pratas-da-casa, ou aquele nocivo, que tira qualquer desejo do moleque de virar nosso ídolo. Do lado da garotada, sangue no olho, miseras! São vocês que facilitarão a vida de um pai no momento de convencer o filho a torcer pelo nosso Decano, sem precisar das malditas culhudas...