Qual o clima para celebrar uma vitória em meio a um cenário tão agonizante? No meu olhar, nenhum | Foto: Letícia Martins | ECVitória
Quando eu penso em futebol e na paixão que ele desperta nas multidões, quase sempre me pego preso na emblemática frase do italiano Arrigo Sacchi, ex-técnico da Azurra vice-campeã mundial de 1994: “O futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes”. Mas esta semana, especificamente, essa frase me veio a mente num outro contexto em virtude da gravidade que vivemos com a pandemia em nosso país. E cheguei a óbvia conclusão: o futebol não pode ser tão importante a ponto de seguir sendo jogado enquanto a vida, certamente o bem mais precioso que temos, é brutalmente tirada de quase 2 mil brasileiros diariamente.
Qual o clima para celebrar uma vitória em meio a um cenário tão agonizante? No meu olhar, nenhum. Fora a parte simbólica, o vírus, por si só, tem deixado claro que, descontrolado como está, inviabiliza o futebol e qualquer outra coisa menos importante que exista. Surtos de Covid surgem diariamente nos times, adiam partidas rodada após rodada. O Vitória, tema central desta coluna, por exemplo, teve só na última semana duas partidas do campeonato baiano canceladas.
Primeiro, o surto atingiu os jogadores do Vitória da Conquista, cidade onde mais tivemos óbitos por Covid no interior do estado e que no início desta semana registrava uma taxa de ocupação dos leitos de UTI de 87%. Na última quarta, o cancelamento decorreu de um surto entre os jogadores da Jacuipense, que apesar de ser de Riachão do Jacuípe, treina e manda seus jogos em Salvador, também com taxa de ocupação de UTI superior a 80%, com diversos hospitais registrando 100%. Vale acrescentar que a Jacuipense já havia tido o jogo do último domingo (28), contra a Juazeirense, cancelado pelo mesmo motivo.
Quadro local à beira do colapso, o Vitória embarca hoje para Fortaleza, que na última quarta-feira (3) registrava taxa de ocupação média dos leitos de UTI de 91%, com pelo menos 10 hospitais já sem leitos de terapia intensiva disponíveis. A capital cearense também vive dias de lockdown, com proibição do funcionamento do comércio e serviços não essenciais. É diante desse cenário que o rubro-negro vai enfrentar o Ceará, amanhã, no Castelão, pela segunda rodada da Copa do Nordeste.
De Fortaleza a delegação rubro-negra vai o para o Mato Grosso do Sul para encarar o Águia Negra-MS, na terça (09), pela primeira fase da Copa do Brasil. Por mais que você não saiba exatamente, deve imaginar o caos de saúde pública que também vive o estado do centro-oeste brasileiro. Pois bem: por lá se verificou um aumento de 40% na taxa de internamento nas últimas duas semanas, e o estado está em pré-colapso, fato comum a todas as regiões do país. É possível ter futebol?
Ah, pode esquecer aquela típica frase que costumamos usar quando as coisas não vão bem: “As coisas vão melhorar...”. As previsões dos especialistas são as piores possíveis. Para Raquel Stucchi, professora da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, o cenário da pandemia para as próximas semanas se revela dramático, e o que foi vivenciado em Manaus é o que devemos ter no resto do país muito em breve.
Peço desculpa a você, torcedor rubro-negro, se estava à espera de uma análise focada no desempenho da garotada, nas contratações, rescisões e por aí vai. Mas neste momento de caos, não há espaço para coisas menos importantes. Se cuide.