A recusa de realizar o teste do bafômetro pelo treinador Mano Menezes reabre uma reflexão importante no mundo esportivo: até que ponto a participação de treinadores, atletas e dirigentes esportivos em comerciais de bebida alcoólica pode ser danosa em suas relações sociais? Até que ponto fica comprometida sua confiabilidade na liderança da equipe e consistência no papel de comandante?
Atualmente, e durante toda a história, brasileiros, fanáticos por futebol, são surpreendidos por relatos de ídolos envolvidos com problemas decorrentes de consumo abusivo de álcool e outras drogas. Nesses casos, o enredo sempre se repete.
Dirigentes, técnicos, colegas de profissão e imprensa lamentam o acontecido, anunciam providências e, nas entrelinhas, responsabilizam exclusivamente o jogador diretamente envolvido que, na maioria dos casos, é uma vítima. Em vez de ser tratado corretamente como um doente, é taxado como um irresponsável que está jogando seu talento pela janela.
A verdade é que todos os envolvidos com o espetáculo do futebol têm uma parcela de responsabilidade e desfilam hipocrisia ou ingenuidade em relação ao assunto. Ou, senão, vejamos: é coerente um técnico condenar um jogador por suas “noitadas” regadas a álcool e ao mesmo tempo aceitar ser protagonista de uma propaganda de cerveja?
É sincero o sentimento de solidariedade de um colega de profissão que lamenta a condição de alcoólatra do companheiro, mas aceita relacionar sua imagem à ideia de que aqueles que consomem determinada marca de bebida alcoólica alcançam mais sucesso? O dirigente que aceita o patrocínio da indústria de bebidas nos empreendimentos da sua entidade tem estatura moral para punir atletas que bebem? E os veículos de imprensa que financiam suas coberturas e transmissões com dinheiro da venda de cerveja, tem isenção para tratar casos desse tipo?
É preciso entender que a propaganda é o principal incentivador do consumo de bebidas alcoólicas no Brasil e no mundo. Por isso, em muitos países ela foi banida, com excelentes resultados para a saúde pública. E quando relacionada ao futebol e aos ídolos do esporte, esse potencial cresce exponencialmente.
Todos envolvidos nesse esforço publicitário colaboram para o alcoolismo entre os jogadores. E, se apenas concorrer para que carreiras sejam interrompidas não comove a indústria do futebol, talvez a apresentação de outras estatísticas que tenham sua colaboração a faça pensar.
Segundo a ABEAD, Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, o alcoolismo causa 57 mortes por dia no Brasil, e 12,3% dos brasileiros entre 12 e 65 anos são portadores de alcoolismo. O álcool é responsável por 70% das mortes violentas ocorridas no Brasil, por 45% de todos os problemas familiares e conjugais, e 42% dos acidentes de trânsito.
A cerveja representa 73% do consumo de doses acima do recomendável. Os – quase inexistentes – programas de prevenção e promoção de saúde no esporte fornecem um suporte de educação e orientação aos atletas. No entanto, não se pode garantir que jovens garotos – ou até jogadores mais experientes – não se tornem alvos vulneráveis a estas associações perigosas entre sucesso, fama e álcool.
Até porque, a face ilimitada da busca pelo prazer expõe a fragilidade emocional e, muitas vezes, coloca um ponto final no sonho da realização profissional além, claro, de produzir danos irreparáveis à saúde.
E pensar que programas psicológicos, sociais e preventivos são raros – ou inexistentes – nos grandes clubes deste país. Os dirigentes, infelizmente, ainda não contabilizaram o prejuízo que esta lacuna gera na criação e desenvolvimento de atletas saudáveis e bem adaptados socialmente.