Beto Pimentel, chef de cozinha
Já visitei muitos países, sempre com a gastronomia a tiracolo. Como é bom conhecer outras culturas. A primeira vez que fui a Europa - logo eu, que adoro a Mata Atlântica, a Amazônia, o Pantanal... eu que sou da terra do tatu-bola, do abraço apertado que rompe as costelas e afaga o coração, da terra do coqueiro anão , da fruta-pão, do coração na mão, do nada em vão - fui parar em Berlim.
Ao contrário de Caetano em Sampa, para minha surpresa, fiquei deslumbrado! Tudo estava no lugar certo, que disciplina maravilhosa. Pensei alto: "Por que o Brasil não é assim?! Essa gente não precisa sair daqui para ser feliz".
Essa viagem me proporcionou um aprendizado importante, e que isso sirva de exemplo para todos nós: nunca aceite e nem rejeite o novo apressadamente. Nada. Nem os lugares e muito menos as pessoas.
Passados 10 dias, regulei minha íris, garimpei meu cérebro e coerentemente me perguntei: "Onde estou? Onde está a alegria? Quem é esta gente? São robôs? Por que tão sisudos? Qual a cor de seus dentes? Não sorriem nunca? Será que o longo e frio inverno os deixou assim?". Foi aí que "a falsa ficha caiu", senti falta até da nossa gíria. Ninguém me chamava de "porreta", nem afirmava: "Beto você é retado!", e exclamei: "Ó pai ó! Vou é me picar daqui!".
Agora, depois de muitas viagens, aboli o narcisismo e aprendi a conviver com outras culturas, costumes, culinárias, etc. No primeiro mundo, as coisas andam, a saúde, educação e a segurança estão em primeiro plano. As crianças não nascem e crescem à toa, e o que é arbitrário é punido severamente. Ao contrário do nosso país. Que pena! Só ganhamos deles em clima, futebol e alegria
Cheguei a essa triste conclusão: vivo em um país onde os governos não se preocupam em fazer reformas urgentes, que tem um código penal ultrapassado e ainda pune o cidadão com impostos absurdos. Um país tão rico, que é garfado a mais de cinco séculos, e entre melhoras e pioras, não consegue sair da UTI. Quando era criança, ouvia minha mãe afirmar que o Brasil era o país do futuro. No Brasil de hoje, futuro é sinônimo de utopia.
Existem etapas que são como murmúrios da vida, sussurros da alma, lembranças de um passado longínquo e feliz. Quando conheci meu primeiro amor e elaborei o meu primeiro prato, as emoções foram as mesmas: pulei de alegria, saltei como criança ao ver pela primeira vez o brinquedo novo. Comecei a me proliferar como a flor, na bela promiscuidade do pólen, descobri e até perpetuei novos sabores que só a arte do cozinhar, a natureza amiga e as mulheres me oferecem.
Estava com apenas treze anos e já sabia que não poderia conquistar todas as mulheres do mundo, conhecer todas as frutas do planeta e nem provar todos os sabores, mas tinha que me esforçar e continuo me esforçando até hoje. Todo começo, tanto no amor como na culinária, é muito excitante. Só praticando conseguimos nos aproximar da perfeição. Mas, de repente, o amor nos pega de surpresa, sempre abrasador. Mais difícil ainda é lidar com a paixão. Evite escutar os seus trovões, eles nos cegam e ensurdecem, e é aí que "o bicho pega", vai começar nossa vida a três: eu, a mulher e a gastronomia.
No começo pimenta vira mel, tem festa toda hora e em todo lugar: no sofá, na cozinha, no banheiro, no elevador, na escada do prédio, no cinema, no mato, no mar. Os prazeres são tantos que desconhecemos a terrível e tenebrosa palavra "tempo", como período na existência humana. Ele é inexorável, ele não perdoa. Como disse Reginaldo Bessa "o tempo não para no porto, não apita na curva, não espera ninguém".
Quando envelhecemos juntos, nos suportamos porque nos amamos. Assim como as árvores, criamos raízes de fixação para nos mantermos de pé, superando as adversidades, os nossos defeitos, os momentos ásperos e tristes. Ainda bem que temos também outras raízes, que captam e armazenam sentimentos nobres (carinhos, perdões, alegrias, etc). Nos nutrem. São raízes e verdadeiros morões que sustentam e nos abrem a porteira da vida para que possamos continuar felizes.
Assim como nossa vida amorosa, a gastronomia também exige coerência afetiva, lealdade e muita criatividade. Só afastamos o fantasma da rotina quando criamos com liberdade e ousadia. Só quem cria atinge a liderança, quem apenas copia será sempre seguidor. Tudo de mais belo e emocionante que existe no mundo e em sua vida, repito, foi criado com liberdade e ousadia. Amando, amando, amando... sempre a mando do coração... deixe ele te levar.
Estive recentemente em Portugal, mais precisamente na cidade do Porto, que maravilha! Convivi harmoniosamente com vinhos, queijos e azeite de oliva. Provei iguarias exóticas e deliciosas como a sopa da garganta do bacalhau, aprimorei meu paladar e meu olfato, me senti transparente e intocável, pulei distância e cores, passei de uma a outra alma e elas se tornaram o meu repouso efêmero. Enxerguei-me livre, os caminhos se abriram e os sorrisos também.
Cheguei a encarnar um cavaleiro andante, galopando pelas ruas da cidade à procura de uma dama medieval. Vivi para mim, elado com a alegria e compartilho com todos vocês a condição única de sermos sonho.