Rosa viaja para Barcelona em breve para fechar projeto com fundação El Bulli, do chef Ferran Andri
Em 1989, Rosa Moraes se mudou para a Califórnia, nos Estados Unidos, com três filhos pequenos sob as asas. A necessidade de cozinhar para a família se juntou ao interesse por culinária, numa época em que a terra do Tio Sam começava a dizer para o mundo que nem só de fast food se vivia por aquelas bandas. Mais tarde, em 1994, já na cosmopolita Nova York, a experiência doméstica e dos cursos que já vinha frequentando somou-se ao universo de restaurantes e chefs badalados. Aqui, chegava às bancas a Gula, primeira revista brasileira especializada em gastronomia. Mesmo sem ser jornalista - mas sabendo que carregava uma bagagem preciosa - ela se ofereceu para ser correspondente. A equipe da revista topou, claro. Não demorou para voltar ao Brasil, para cumprir um desafio: implantar o primeiro curso superior de gastronomia no país.
Qual o lugar que a gastronomia ocupa no universo da hospitalidade?
Um lugar essencial. Não é por acaso que existe o turismo gastronômico, as pessoas viajam para comer. A gastronomia é importantíssima nesse universo, até porque hoje em dia está todo mundo muito entendido, tem muita informação sobre o assunto. Mas para isso a gente tem que profissionalizar, tanto a cozinha quanto o salão.
Como foi para você abrir o primeiro curso superior de gastronomia no Brasil?
Foi um desafio. Porque os Estados Unidos não eram conhecidos como referência de comida boa e isso estava começando a mudar justamente naquela época. Eu não tinha experiência nessa área, mas já tinha feito alguns cursos e me empenhei em conhecer as melhores escolas de lá, em busca de assessoria. Achei que a mais pertinente em relação à realidade brasileira era a California Culinary Academy. Então, fizemos um convênio e eles nos deram consultoria para a montagem do currículo e da arquitetura das cozinhas acadêmicas, além de treinamento de professores. Depois, fomos aprendendo, adaptando e desenvolvendo nossos próprios programas e planos de ensino. Hoje, estou com sete cursos em seis estados.
Que tipo de adaptação foi necessário fazer?
A gastronomia brasileira passou a ocupar mais espaço na grade. Na panificação e confeitaria, por exemplo, o currículo original previa mais a culinária francesa, então passamos a incluir mais referências nacionais.
Alguma particularidade em relação à Unifacs, na Bahia?
Quando a Bahia foi incorporada à Laureate, em 2010, o curso de gastronomia já existia. Mas a gente sempre traz as melhores práticas do que dá certo. No caso da Bahia e outros estados do Nordeste, percebemos que tínhamos que valorizar o regional, sem esquecer as técnicas internacionais. Juntar o tradicional ao novo.
Qual era a formação dos professores da Anhembi Morumbi, já que era a primeira faculdade de gastronomia do país?
Eram pessoas formadas em escolas de fora. Mas pegamos pessoas que, além de uma formação interessante, também tinham vocação. Isso foi um grande aprendizado: não é porque o profissional é um bom chef que ele é um bom professor. A vida acadêmica é muito peculiar, tem que saber passar os ensinamentos. Por isso, uma das profissões que eu mais respeito é a de professor.
Ainda há lacunas na formação de docentes?
Uma dificuldade é atender ao número de mestres e doutores que o MEC exige. É muito difícil encontrar um bom profissional que tenha essa formação. Por isso, também estamos ajudando a formar esse corpo docente, atraindo e investindo nos que são qualificados, trazendo-os para as nossas pós-graduações.
A questão da vocação vale também para os alunos, não é?
Claro. Uma das diferenças é que é um curso muito físico, é muita pressão. Às vezes, o aluno não imagina que um dia vai estar trabalhando num restaurante lotado, com uma mesa de 20 pessoas em que cada uma pede uma coisa e tem que servir tudo na mesma hora.
E para onde vai esse fluxo de novos profissionais?
Uma gama grande vai para restaurantes. Também tem empresas de food service, hospitais. Alguns vão ser chefs particulares e outros se tornam empreendedores. É interessante perceber que as ofertas de emprego não estão só nos restaurantes.
Poucos voltam para a universidade como professores?
Como a maioria são cursos tecnólogos de dois anos, a formação é muito rápida. Faculdade não forma chef, quem quer ser chef sabe que tem muito que se capacitar. Então, muitos deles voltam para a escola, mas procurando a especialização.
O que você identifica como principais tendências da gastronomia no Brasil neste ano?
Vejo um grande número de restaurantes de comida brasileira. A grande tendência é o local, o ingrediente mais próximo possível, inclusive carne e peixe. Outra tendência são os menus mais saudáveis para crianças. Também tenho visto muito alimentos e sucos detox, leites vegetais. Outra coisa legal que está começando a acontecer em São Paulo são os pop-up restaurants.
E quais são as novidades que não têm futuro por aqui?
Uma das tendências lá fora, em lugares como Nova York, é que os restaurantes tenham pré-reservas pagas. É muito bom para a sustentabilidade do restaurante, que já sabe quantos clientes vão chegar. Mas se já é difícil o brasileiro fazer reserva... Acho que não estamos prontos para isso ainda. Outra coisa que está na moda em muitos países é o consumo de insetos. Pode ser saudável e tudo mais, mas também acho difícil.
O que você acha das iniciativas ligadas à comida de rua? É modismo ou tendência que veio para ficar?
Food truck é uma tendência que acho que pegou muito rápido no Brasil, mas tem muito a se fazer porque ainda tem a questão da legislação. Mas é muito bacana, sim. Às vezes, as pessoas têm receio de entrar num restaurante porque acham que é caro, ficam intimidadas. O food truck é uma maneira de todo mundo poder experimentar comidas interessantes, diferentes, além das populares. É uma maneira de popularizar a gastronomia.