A chef Katia Najara
Quando vou a um restaurante não como apenas a comida, mas o sorriso do garçom, a música, o toque de algodão da toalha, o desenho da luz; como o banheiro lindo, a arte gráfica do menu, as flores frescas à mesa. Afinal, eu estou falando da minha felicidade.
Porque comer para mim é uma experiência que se estende da comida para cada um destes detalhes que me futucam os sentidos todos. Por tudo isso, não me importo em pagar mais caro se alimento a todos eles com uma cajadada só. [corta para o plano da realidade]
Funcionários que não olham na cara da gente, cultura do tem-mas-acabou, mesa goguenta, prato quebradinho na borda, tinto gelado, DVD Som de Barzinho, azeite fuleiro, lixeira do banheiro transbordando, vinagrete "reciclado", serviço moroso, comida meia-boca, preço alto.
É o serviço ao qual acabamos por nos acostumar aqui em Salvador. Exceção aos muito caros (e ainda assim há riscos) ou àqueles tradicionais impecáveis, cujo branco das toalhas chega a me ofuscar a visão até que eu consiga focar de novo, agora no semblante cortês daquele garçom da vida inteira ali, altivo e bem posicionado, para que o comensal não tenha que receber uma Linda Blair no Exorcista para fazer o pedido.
Este mesmo garçom estará atento às minhas necessidades de tal modo que uma simples conexão visual entre nós o fará adivinhar o meu desejo, que chegará fumegante, lindo e aromático em breve, e à primeira garfada me fará fechar os olhos e agradecer ao Divino.
Me sentirei tão feliz e respeitada que a conta não me parecerá cara e ainda farei questão de dar-lhe uma gorjeta, além dos 10% que, vejam, não aparece na conta nem mesmo como opcional. [corta mais uma vez para o plano da realidade]
Tá, viajei de novo, mas deixa eu sonhar? Eu estou falando da minha felicidade!
Prato cheio
Mas, falando sério, não há encantamento que justifique os preços abusivos que são praticados no Brasil. De tudo! Gozamos da péssima reputação de piratas. Isso graças não apenas aos surreais índices de inflação do país, mas também, e infelizmente, à nossa mania de querer levar uma vantagenzinha em tudo.
Convenhamos que naquele precinho que a gente confere de soslaio ali do lado direito do menu estão embutidos: aluguel, financiamentos, luz, água, telefone, internet, funcionários, publicidade, insumos, sistema de segurança, de caixa, de compras, estrutura física, mobiliário, lavanderia, arquiteto, impostos, impostos, impostos, o diabo a quatro, e mais a parte subjetiva, que é o exercício criativo do(a) chef. Dá para ser barato?
Quanto custa uma idéia?
Difícil de mensurar que nem serviço artístico, o ingrediente criativo pode pesar muito mais do que calamares en su tinta no seu prato, uma vez que esse valor é meio que inquestionável.
Quantos anos estudei, quantos livros comprei, quantas viagens fiz, em quantos restaurantes comi, quantos caldos entornei para poder te oferecer este prato? - perguntam os cozinheiros. E quem poderá saber? Só eles.
Daí que convém considerar todas essas incidências de valores palpáveis e impalpáveis sobre o prato antes de julgar o seu preço. Um prato não é só o que a gente vê e nem sempre vale quanto pesa.
Vai que
Então vamos fazer um combinado entre nós, já que não está fácil para ninguém? Se de um lado o meu dinheiro não é capim, do outro lado os donos de restaurante estão comendo o pão que o diabo amassou para manterem os seus estabelecimentos abertos com alguma dignidade. Então façamos assim: os clientes não vão mais questionar os preços praticados pelos estabelecimentos; em troca, estes vão rebolar para investir um pouco mais em sua equipe (nem que seja atenção) e serviços. Não parece justo?
Vai que a moça não sorri porque está faltando um dente e isso não tem a menor graça; vai que ela não se movimenta muito no salão porque o sapato do fardamento machuca; vai que ela enjoou da gororoba dos funcionários; vai que acordou às 4h para dar conta do trabalho de dois.
Vai que investir em treinamento e comprar aquela adega de vinhos da promoção seja um bom negócio. Vai que contratar mais gente talvez reduza o seu rendimento imediato, mas melhore a qualidade de vida de todos, que isso também se reflita num serviço melhor e mais humanizado, e que tudo isso volte em dobro de receita logo ali adiante.
Vai que nos olhando nos olhos - clientes, empresários, funcionários - com um pouco mais de respeito e atenção, as coisas melhorem para todo mundo.
Vai que.