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Expressão presente desde o século XV em Portugal, ao lado de outras como "o doce nunca amargou", o açúcar, ou melhor, o gosto pelo doce é um dos mais antigos. A doçaria portuguesa, uma das que mais nos influenciou, segundo Câmara Cascudo, já estava "várias vezes centenária quando o açúcar apareceu". Em outras palavras, a contribuição dos árabes teria apenas ampliado esta doçaria e posteriormente desafiado a criatividade de indígenas e africanos.
Na sabedoria popular, o doce é atravessado por virtudes. Diz-se "daquilo que é bom", "acalma a alma", "conforta", "é sereno", "tranquilo", etc. Resumindo, "o doce dá sabor". O binômio sabor e doce andaram desde cedo de mãos dadas. Assim, onde eles não podiam se juntar, o ditado popular resumiu: nem com açúcar, indicando que a situação era inevitável.
No trabalho intitulado Açúcar, Gilberto Freyre chamou a atenção para aspectos culturais e sociais que estão presentes em velhas receitas e tipos de doces e bolos. Doces servidos ou como sobremesa, ou como merenda. Doces que, há bem pouco tempo atrás, faziam as honras da casa, quando se era comum oferecer um doce à visita. Doces administrados aos doentes na forma de "lambedô", ou simplesmente para lhes adoçar a vida, quando "a boca não sentia mais gosto de nada".
Ainda hoje, a infinita variedade de bolos, presente em diversas ocasiões, vem desempenhando funções sociais. Afinal, "o doce visita, faz amizades e festeja". Os doces também têm seus motivos. "Alguns são curandeiros, outros sussurram nomes, desejos e há até os que realizam apelos e críticas".
Um estudo sobre alguns destes significados pode ser encontrado no trabalho de Luís Chaves, O Significado Social da Doçaria. Bolinho do amor, melindre, paciência, sonho, suspiro, beijo, baba de moça, pé de moleque, língua de sogra, olho de sogra, cabelo de anjo, teta de negra, ao lado de outros, alguns deles caídos no esquecimento e do popular pé de moça, são alguns exemplos.
Há doces, todavia, que vem resistindo, dentre nós, aos novos gostos, ou aos novos doces, como as chamadas compotas. Feitas a partir de frutas tropicais, alguns viajantes afirmavam que eram tão doces que escondiam o sabor da fruta. Uma das mais brasileiras talvez seja a de caju. O doce de leite e a ambrosia é ainda doce que continua gozando de prestígio dentre nós, ao lado da canjica de milho, da bala de jenipapo, da bolachinha de goma (que ganharam novas formas e motivos), dos sequilhos, do manjar branco e do pudim.
Foi-se o tempo do arroz doce. Era tão comum nas festas, que se dizia de uma pessoa que se apresentava em todas as ocasiões. Os africanos tiveram participação significativa na formação da doçaria brasileira.
O velho Querino, em A Arte Culinária na Bahia, cita o ado (farinha de milho temperada com azeite de dendê e mel) e a massa (bolas feitas com arroz cozido, polvilhadas com açúcar). Porém, como sugere Freyre, há ainda que se chamar a atenção para os "doces de tabuleiro", em geral "aqueles despejados sobre folhas de flandres forradas por toalhas de bananeiras", ou ainda, os que rivalizavam nas ruas com os doces que partiam dos conventos. Tratava-se de doces nascidos no Brasil, filhos da rapadura, da mandioca, do milho, do amendoim, ou do seu contato com o coco.
Dentre os bolos, o chamado, bolo de massa, o bolo de milho, o bolo de tapioca, o cuscuz de tapioca, o manuê, o bolo de aipim, a broa de milho, mas também algumas balas de origem árabe, chamadas de alfenin, alféloa, conhecido como puxa-puxa, que distraíam as crianças durante horas.
Bolo que resistiu às mudanças e vem persistindo nos tabuleiros, contra os discursos contemporâneos que condenam o doce e a fritura, é o bolinho de estudante, conhecido como punheta, nome que mesmo quando que balbuciado de forma discreta, não deixa de causar constrangimentos. É, todavia, a cocada, o doce mais comum das ruas. Embora possa ter sido enriquecida de sabores, a sua base continua sendo de coco e açúcar.
Criamos até a cocada-puxa, feita com rapadura e que estica quando puxamos, no passado comida sobre um papel de embrulho. Pena que a moda desapareceu. Era rapadura, genjibre, farinha de mandioca, coco e café. Na opinião de uma doceira: "Perderam o ponto da amoda". E o quebra-queixo? Persistiu, mas menos duro. Porém, a banana da terra frita passada no açúcar e na canela parece ser a preparação que mais nos ajuda a entender a expressão: doce para tirar o gosto da comida da boca, ou ainda, na vida, com açúcar, tudo. Reflitamos, antes que nossas doceiras desapareçam.