A cidade de Salvador tem se destacado na criação de alguns pratos, diz antropólogo
Até mesmo os estudiosos menos apaixonados e contaminados pelo preconceito não deixaram de impressionar-se com o cheiro, a cor e exuberência das chamadas comidas de azeite, batizadas com este nome graças ao óleo vermelho extraído dos frutos do dendenzeiro, palmeira aclimatada no Brasil já nos finais do século 18, popularizado graças aos usos e abusos realizados pelos africanos e africanas e seus descendentes.
Quais as mãos que mais propagaram estes de comer? Africanas ou africanos. Há controvérsias, assim como também as opiniões divergem com relação à origem de alguns pratos. Porèm, independente de visões de mundo islamizadas, nagôs, jejes ou angolanas, as chamadas comidas de azeite, na sua maioria, aqui reelaboradas a partir de outras tradições culinárias, continuam dialogando com o tempo e reforçando alguns elementos demarcadores das identidades negro-africanas no Brasil.
Se no mês de agosto iguarias como o mingau e a pipoca ganham as ruas, ora sobre a cabeça de filhos e filhas de santo, ou mesmo sobre o velho tabuleiro descansado num tripé em forma de X, no mês de setembro, estas comidas tomam as casas das pessoas na forma de comida de preceito dedicada aos santos gêmeos que hoje cada vez mais passa a ser produzida pelos catering (indústrias de alimentos que fornecem a comida pronta).
Cresce todavia o número de restaurantes, a exemplo do Dona Mariquita, situado à rua do meio no Bairro do Rio Vermelho, que oferece como opção de cardápio o elegante "caruru dos meninos". A apresentação do prato é tão charmosa que obriga o comensal contemplá-la antes de degustá-lo.
Mas comida também é contemplação e a boa comida é aquela cujo sabor consegue nos conduzir a lugares distantes. Acredito que seja isso que tenha motivado tantos cozinheiros e cozinheiras que vêm enfrentando o processo de industrialização dos alimentos e a famosa gourmetização.
E aqui mais uma vez, a cidade de Salvador tem se destacado na criação de alguns pratos aos quais prefiro me referir como soluções curiosas da cozinha de azeite.
Abará com siri
Depois do embutido de marisco, da feijoada de frutos do mar em São Caetano, do abaralhau em Nazarè, do acarajé de um quilo na Liberdade, no Jardim das Margaridas, bairro bem pertinho ao Aeroporto, num depósito de bebidas, um neto de uma baiana de acarajé inseriu como ingrediente do abará, a moqueca de siri. Esta criação esta fazendo tanto sucesso que o abará com siri já se tornou a principal atração do bairro nos finais de semana.
Para Emanuel Posaite, contar a história do abará lhe permite rememorar a história de sua avó, uma baiana de acarajé que teria encantado um piloto inglês em suas passagens pela cidade de Salvador. Filho mais novo, dos oito irmãos, Posaite, como é chamado, ajudava o pai na produção de uma das mais famosas iguarias baianas, desta maneira, assim que ele pode, criou a sua, já batizada com o nome de abará posaite.
Diferente dos comercializados na cidade e já encontrados no Pelourinho ou no bairro do Imbui com vários sabores, dentre eles, o sururu, este é recheado com camarão ou bacalhau e acompanha um molho cremoso que Emmanuel não passa a receita.
Patrimônio
Estas e outras são parte do patrimônio gastronômico de nossa cidade, mantido vivo graças à criatividade e prestígio destes homens e mulheres, que na sua grande maioria, outrora foram meninos e meninas de tabuleiro que iam e viam trocando dinheiro e a água manchada de azeite que se acumulava no recipiente onde a baiana mergulhava a colher para modelar os bolinhos.
Hoje esta pessoas, herdeiras e herdeiros de doceiras, cozinheiras, quituteiras, mantém vivas, sobretudo, mulheres que já foram chamadas de " fadas do dendê", porque antes de tudo foram tocadas por elas e assim seguem nos contagiando com suas criações.