Daniel Oliveira | Foto: Adilton Venegeroles / Ag. A TARDE
O empresário Luiz Oscar Niemeyer produziu os shows de Paul McCartney e Roger Waters em Salvador
Dos anos 1980 para cá, o produtor e empresário Luiz Oscar Niemeyer, dirigente da T4F (Time For Fun), participou e fez acontecer quase todos os principais megashows realizados no Brasil. Esses que iluminam e tornam as atuais arenas de futebol caldeirões de música em diversas capitais do país. Quando foi coordenador-geral da primeira edição do Rock In Rio, em 1985, já sabia o que queria da vida. “Decidi montar a minha empresa, comecei a produzir e não parei mais”. Circulou muito por aí: foi presidente de uma gravadora internacional, a BMG-Ariola, acompanhando fases distintas da indústria fonográfica, produziu espetáculos marcantes, como o primeiro show de Paul McCartney no Brasil, em 1990, no Maracanã, e o antológico do Rolling Stones, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Considera-se um roqueiro, neste tempo que o gênero musical divide as paradas mundiais de sucesso com o rap e o pop. Faz disso o seu ofício, trazendo os seus ídolos da década de 1970, quando era adolescente, para o Brasil e outros países da América Latina. “Sempre procuro fazer os artistas que admiro, que eu curto, sou fã. Esses são os que mais motivam”. Em Salvador, produziu os shows de Paul McCartney (ex-Beatle), no ano passado, e de Roger Waters (ex-Pink Floyd), no último dia 17 – ambos na Arena Fonte Nova –, além de Beyoncé, no Parque de Exposições. O empresário afirma que a capital baiana vai continuar na rota desses grandes eventos, mas evita mencionar nomes para “não despertar a cobiça da concorrência”. No lobby de um hotel em Ondina, onde lidera a sua equipe em terras soteropolitanas, Luiz falou das produções na cidade, das manifestações nos espetáculos de Waters, do rock e da relação entre gravadoras e mercado dos shows.
Durante muito tempo, Salvador não foi rota de grandes shows internacionais que circulavam pelo Brasil, mesmo tendo uma forte indústria de entretenimento e turismo, ligada ao Carnaval e ao auge do axé music. De três anos para cá, os shows passaram a acontecer aqui com mais frequência – a vinda de Elton John, Paul McCartney e Roger Waters. Qual é o potencial da cidade para sediar mais espetáculos daqui para frente?
A localização geográfica de Salvador é muito privilegiada, é a capital mais ao sul do Nordeste, o que facilita, dentro de um roteiro, porque as distâncias são menores. Depois é uma cidade que respira música. Sempre respirou. Mas talvez até por ter uma cena musical local tão forte, durante tantas décadas, os shows internacionais não tenham vindo para cá antes. Não sei exatamente o motivo. O fato é que de dois anos para cá começamos a sentir que era um lugar interessante para fazer os shows. A Arena também ficou pronta e foi um instrumento importante, porque antes não tinha um local. Fizemos a Beyoncé no Parque de Exposições, mas o estádio funciona muito melhor pela localização, conforto, por tudo. Então, é uma conjunção de coisas a favor. E a ideia é que a gente consiga trazer mais coisas, mais shows, porque a cidade tem vocação para isso.
Como foi o processo de escolha de Salvador para integrar a turnê de Roger Waters no Brasil?
A gente teve uma feliz experiência com Paul McCartney. A gente aprendeu bastante ali, como as coisas funcionam em Salvador, desenvolvemos bons relacionamentos com a Arena Fonte Nova, o governo, as empresas, patrocinadores, e foi um sucesso. Achamos que poderíamos voltar à cidade trazendo outros espetáculos. E quando começamos a negociar a vinda do Roger Waters, ele queria fazer uma turnê mais extensa. Pensamos, então, que Salvador seria a cidade do Nordeste para participar desse roteiro dos shows. Até porque, recentemente, fizemos o Paul McCartney, foi superlegal, saímos daqui felizes. Tudo funcionou muito bem, e por essa razão viemos novamente.
Acredita que um megashow deixa algum tipo de legado para a cidade?
Acho que sim. Se você pegar como exemplo o show de Paul McCartney, teve um efeito imediato de divulgação da cidade, de atração de turistas para cá. A gente não fez o levantamento ainda de Roger Waters, mas em Paul 40% dos ingressos foram vendidos para pessoas de fora de Salvador. Movimenta o turismo, o comércio, toda a cadeia produtiva da cidade. O Paul gravou o clipe da música Back in Brazil em Salvador. Isso é algo muito bacana, porque é uma divulgação mundial, está disponível no YouTube. Então, o legado é esse. Gera negócio, emprego, é feito um trabalho de divulgação e imagem para a cidade. Assim, movimenta a economia. Na medida em que você consegue ter um calendário desse tipo de coisa, as pessoas começam a se programar para conhecer a cidade. E também é saber aproveitar aquilo de bom que aconteceu.
O senhor tem uma trajetória que atravessa a primeira edição do Rock In Rio, como coordenador-geral, o show emblemático de Paul McCartney no Maracanã, entre outros. Como essa trajetória começou?
Fui um adolescente que sempre adorou música, sempre foi uma paixão. Fui colecionador de discos, tinha paixão muito grande. E os meus ídolos de hoje são os mesmos dos anos 1970, quando tinha 14, 15 anos. Paul McCartney, Stevie Wonder, Roger Waters, Phil Collins, que despontaram nesse período. Quando comecei a minha vida profissional, fui trabalhar na Artplan Publicidades, no Rio de Janeiro, na área de promoção. Sou formado em comunicação pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). E, como você mencionou, tive a oportunidade de ser um dos principais executivos do Rock in Rio. Fui o coordenador-geral do evento e participei da concepção. Nessa época, já não tinha dúvida do que queria fazer da minha vida. Aí, decidi montar a minha própria empresa, em 1985, e comecei a produzir. A partir daí não parei mais.
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2018 foi muito difícil para o mercado de entretenimento de uma maneira geral. Mas, como esse é o nosso negócio, a gente continua
Luiz Niemeyer
Um show o marcou especialmente?
Muitos marcaram. O show do Rolling Stones na praia de Copacabana, em 2006, e o primeiro do Paul McCartney no Brasil, em 1990, no Estádio Maracanã, foram especialmente marcantes. Esse show de Paul chegou ao Guinness World Records (o livro dos recordes – pelo público presente de 185 mil pessoas). Além desses, também fiz uma turnê com o Eric Clapton, em 1990, que foi muito especial. Todos esses são artistas que eu gosto muito.
Em entrevistas antigas, o senhor dizia que tinha uma forte “ansiedade pré-show”. Ainda sente?
Quando estreia, fica mais fácil. No caso de Roger Waters, já estreamos. Antes da estreia ficamos mais tensos, mais ansiosos. Agora a coisa vai entrando num ritmo bom. Lógico que dá um friozinho da barriga de manhã, afinal, é uma coisa ao vivo, tudo precisa dar certo, ser bem feito. Mas a estreia já foi e, então, estamos mais azeitados, como falamos.
O senhor atuou na indústria fonográfica, foi presidente da gravadora BMG-Ariola por mais de 10 anos, e há mais de duas décadas produz shows internacionais no Brasil. Como as gravadoras têm se relacionado hoje com o espetáculo ao vivo?
A indústria fonográfica passou por uma transformação, teve o momento de crise, declínio, em função de pirataria, internet, novas tecnologias. Mas a indústria fonográfica foi, durante muito tempo, o centro. Tudo girava em torno dela. Isso já não é mais assim hoje. Os shows ao vivo, os festivais atualmente têm uma outra importância, muito maior do que há duas décadas. E mesmo a indústria fonográfica está se recuperando com as plataformas de streaming (Spotify, Deezer etc.), mas acho que o entretenimento ao vivo ganhou uma outra dimensão nesse contexto, a tal ponto que a indústria fonográfica quer participar também, fazer eventos e entrar nessa área do entretenimento.
A economia brasileira há alguns anos vem passando por um momento difícil, de recessão. Em que intensidade isso reverberou no mercado de megashows e do entretenimento?
Reverberou muito. Na realidade, a gente teve este ano uma desvalorização do real em relação ao dólar de 30%. Então, isso já foi um baque. Depois, estamos vivendo uma conjuntura econômica de um país que tem 13 milhões de desempregados, alguns estados quebrados, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Evidentemente, isso afeta a venda de ingressos, porque as pessoas estão com menos dinheiro no bolso, selecionando mais o que fazer. Mas, ao mesmo tempo, a gente não pode parar, o nosso negócio é esse, temos que oferecer e se adequar à realidade. O ano de 2018 foi muito difícil para o mercado de entretenimento de uma maneira geral. Mas, como esse é o nosso negócio, a gente continua, tenta ser criativo, encontra os caminhos. Não tem sido fácil, mas a gente está conseguindo.
O show de Roger Waters em São Paulo gerou uma grande repercussão na imprensa nacional por conta das manifestações políticas, tanto do artista como do público. Pessoas de outros estados chegaram a postar, em redes sociais, que devolveriam o ingresso. Qual é a sua avaliação desse acontecimento?
Principalmente no caso do Roger Waters, quem conhece o trabalho dele e do Pink Floyd sabe que sempre foi assim. As próprias músicas têm uma mensagem de cunho político. Então, isso é natural. A maioria dos artistas se pronuncia. E o que aconteceu agora resulta do que o Brasil está vivendo, esse momento em que os ânimos estão exaltados e acirrados, as pessoas estão tensas. Mas acho normal. Espera-se de um show do Pink Floyd, do Roger Waters, exatamente isso. E o que se percebe também é que algumas pessoas que foram ao show não sabiam o que estavam indo assistir.
De que maneira os seus gostos influenciam nas escolhas dos shows que o senhor realiza?
Procuro fazer isso sempre, porque me sinto super bem. Sempre procuro fazer os artistas que admiro, que eu curto, sou fã. Esses são os que mais motivam. E, para isso, é necessário ficar antenado com o que está acontecendo. Entender os momentos das pessoas, se aqueles momentos se encontram, se é possível haver algum tipo de sinergia para o show acontecer. E os outros muitas vezes tenho que fazer por questão de ofício, mas também busco me divertir nesses casos (risos).
O senhor já contribuiu para tirar o Los Hermanos de um hiato de dois anos e expressou, muitas vezes, o desejo de reunir o Pink Floyd. Não foi possível o encontro do grupo, mas aconteceu essa extensa turnê de Roger Waters, passando por várias cidades.
Pois é. Na realidade, falei algumas vezes que queria fazer o espetáculo reunindo o Pink Floyd e não aconteceu, mas consegui fazer o Roger Waters, que é um show com todos os grandes sucessos do grupo. Fiquei muito feliz por isso.
Os shows internacionais, em geral, envolvem uma grande estrutura e um público imenso, de milhares de pessoas. Como antecipar os imprevistos na produção de um megaevento?
A gente já tem uma estrutura, uma fórmula de estruturar desde a chegada, a formação de filas, de banheiros, posto médico, tudo. Isso veio com a experiência adquirida com esse tipo de evento, muitos anos fazendo isso em estádios, outros grandes espaços e com diferentes artistas. A gente minimiza as surpresas, o que fala com o público mais diretamente. Mas elas sempre existem, porque em qualquer lugar que você coloca 40 mil, 50 mil pessoas pode ocorrer alguma coisa inesperada. No show propriamente dito, a gente se cobre de cuidados. Por exemplo, não trabalhamos com a luz da rua, apenas com geradores, e dois para cada item do show. Ou seja, dois para atender ao som, dois para a luz. Se tiver um blackout em Salvador, o show não para. A cidade inteira fica no escuro e o show continua acontecendo, com as luzes, com o som, tudo. Esse risco a gente não corre.
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O rock tem hoje, sobretudo nos EUA, uma competição, um novo gênero que é o hip-hop
Luiz Niemeyer
Quando artistas internacionais vêm ao Brasil, raramente são vistos circulando pelas cidades, em restaurantes ou pontos turísticos. Não sabemos por onde Paul McCartney ou Roger Waters andaram em Salvador. Mas também é difícil imaginar que ambos ficaram apenas nos hotéis. Qual é o seu papel na indicação de lugares para conhecer e, ao mesmo tempo, de preservação da privacidade deles?
A gente tem um grupo de pessoas designado especificamente para cuidar do artista. Então, se ele quer sair para jantar, passear pela cidade, esse grupo pensa para onde pode ir, como ir. Procura criar situações que deem ao artista essa privacidade, principalmente. Eles não podem sair na rua. A questão toda é a segurança e a privacidade, por isso ninguém sabe onde eles estão. Caso contrário, dependendo do artista, a tendência é que os fãs cheguem e fiquem junto o tempo inteiro.
A experiência do público tem sido, com recorrência, o foco da publicidade de grandes shows de música e eventos variados de entretenimento. O produto torna-se “viver aquela experiência única”. Como o senhor vê esse fenômeno no contexto dos megaespetáculos?
Quando você vai para um show como o de Roger Waters, de fato, você tem toda uma experiência ligada ao show. Um espetáculo audiovisual, de efeitos especiais, de som, surround no estádio todo. O maior show audiovisual que já foi feito. Isso vai fazer com que a sua experiência seja boa. E, além disso, evidentemente, é um lugar de fácil acesso, você tem conforto, é novo. Tudo isso faz parte desse conjunto. Mas ainda acho que a grande experiência é chegar lá e ter um bom show, um bom som, uma boa luz, os telões. Que o espetáculo em si seja uma grande experiência. Não adianta chegar num lugar e ter um restaurante e uma série de atrativos e o espetáculo ser ruim. Por exemplo, na Fonte Nova, a experiência é legal porque a pessoa chega e sai fácil, é perto de tudo. Então, você vai ter uma boa experiência, junto com um show maravilhoso. Se fosse num lugar mais distante, como o Parque de Exposições, a experiência seria diferente, por conta do acesso. É o conjunto mesmo.
Em vários shows internacionais, há uma relação, de certa forma, saudosista do público com os artistas. Frequentemente, as músicas que compõem o repertório foram lançadas há quatro décadas, principalmente em espetáculos de rock. Como o senhor vislumbra o futuro desses grandes eventos?
Todos esses shows, principalmente ligados às décadas de 1960 e 1970, são de artistas que estão envelhecendo. Naturalmente, o que se espera é que, no futuro, as novas gerações tenham novas criações. Mas o que há de melhor, de produção criativa tanto na música brasileira quanto na música internacional, são as coisas produzidas nas décadas de 1960 e 1970. Foram as décadas de ouro da efervescência musical criativa em todos os setores. E esses artistas colocam, como Paul McCartney aqui no ano passado, 50 mil pessoas numa arena, a garotada canta as músicas. Com essas novas tecnologias, as redes sociais e os games, os jovens também estão tendo acesso a esse repertório e querem ir aos shows, assistir ao artista ao vivo.
O senhor já falou, diversas vezes, sobre o seu vínculo afetivo com o rock. O currículo de shows realizados evidencia essa conexão. Atualmente, alguns artistas e críticos afirmam que o rock morreu, vive do passado das décadas de 1960 e 1970, ou então que ficou careta. O que pensa sobre isso?
O rock tem hoje, sobretudo nos Estados Unidos, uma competição, um novo gênero que é o hip-hop, que não tinha antes essa força toda. É um fenômeno no mundo inteiro. Talvez seja um movimento até mais forte. Mas eu acho que o rock não vai morrer nunca. Continua forte, agora convivendo com o hip-hop. Somos os roqueiros, não tem jeito (risos).