"Tenha a certeza de que o sangue dos mártires, das crianças, das mulheres, dos idosos, dos heróis da resistência e dos bravos militares, que foi misturado no campo da dignidade e da resistência, serão as pedras que construirão o futuro do país." O fragmento da ordem do dia lida nos quartéis esta semana para comemorar o 61º aniversário das Forças Armadas do Líbano não deixa dúvidas de que a instituição apóia moralmente o grupo xiita Hezbollah.
"Já faz três semanas que os combatentes do Hezbollah enfrentam o Exército israelense e só isso já é uma vitória. Israel gosta de guerras curtas. Nenhuma força árabe resistiu mais de duas semanas. Em 1967, o conflito durou seis dias", disse Adnan Al Sayed Hussein, professor da academia militar libanesa e autor de uma tese de doutorado sobre o conflito árabe-israelense.
Na cúpula do Exército libanês a reação da milícia foi uma surpresa. Primeiro porque o grupo mantém o comando e os sistemas de controle. Segundo porque consegue esconder e lançar seus foguetes, apesar dos ataques e da vigilância das forças israelenses. E, principalmente, porque ninguém vê os combatentes se movimentando. Nunca antes o território israelense foi atacado de forma tão intensa e por tanto tempo.
As Forças Armadas libanesas são formadas por cristãos, sunitas, xiitas e drusos e espelham as divisões da sociedade civil sobre a guerra entre o Hezbollah e Israel. Uma parte acha que o grupo xiita não deveria ter capturado os dois soldados israelenses - o que deu início ao conflito em 12 de julho - e outra parte argumenta que foi questão de autodefesa. "Mas o apoio moral vem de todos os setores", afirmou Kameel Habib, outro professor da academia, especialista em estratégia militar israelense.
Forças de Israel entraram no Líbano, a infra-estrutura do país foi destruída por bombardeios, no mínimo 617 civis e 26 militares já morreram e as Forças Armadas ainda não deram um tiro contra soldados israelenses. "Não temos força aérea. Assim, não há como lutar", disse o general reformado Kamal Karam. A Aeronáutica libanesa consiste de 24 helicópteros que não levam armamento. Sem proteção de aviões, a movimentação de tropas regulares de um Exército fica comprometida.
A força militar do Hezbollah é a sua estratégia de guerra de guerrilha. Mesmo sem aviões e barcos, os membros do braço armado do grupo têm poder de destruição porque não são reconhecidos facilmente. Além disso, foram bem armados com o apoio do Irã e da Síria, têm experiência nos embates contra Israel e disciplina. "Os combatentes começam a ser treinados quase desde que nascem", disse Habib. Essa coesão é uma barreira para a entrada de espiões.
Nos últimos dez dias, a Agência Estado ouviu, além dos dois professores e do general reformado, um membro da cúpula da polícia nacional e um general do Exército. Os dois últimos falaram sob a condição de que seus nomes não fossem revelados. Os cinco foram unânimes: se houver cessar-fogo enquanto o Hezbollah ainda estiver lutando contra as forças terrestres de Israel e lançando foguetes contra o país vizinho, o vencedor do conflito será o grupo libanês. Isso porque a guerra acabaria com o Hezbollah dando sinais de vigor.
Pelo menos parte das Forças Armadas sonha em contar com os combatentes do Hezbollah. "O braço militar do grupo deve ser integrado às Forças Armadas depois da entrega dos mapas das minas no sul do Líbano, da devolução das Fazendas de Shebaa e da libertação dos prisioneiros de guerra libaneses que estão em Israel. Queremos manter esse poder para o Líbano sob comando do governo", resumiu o general.