A Polícia espanhola deteve hoje durante algumas horas a ex-presidente argentina María Estela Martínez, viúva do general Juan Perón e mais conhecida como Isabelita Perón, a pedido da Justiça da Argentina em função do desaparecimento de um jovem durante seu mandato, na década de 1970.
A detenção, ligada à repressão lançada contra opositores durante o mandato da ex-presidente (1974-1976), aconteceu em sua residência na localidade de Villanueva da Cañada (Madri), às 20h (17h em Brasília).
Cerca de três horas depois, a ex-presidente, de 75 anos, foi libertada provisoriamente por ordem do juiz Juan del Olmo, da Audiência Nacional, após interrogá-la na sede desse alto tribunal espanhol que tramita os pedidos de extradição.
A Direção Geral da Polícia e da Guarda Civil informou que a detenção cumpriu a ordem recebida poucas horas antes pela Interpol Espanha, após ser ditada pelo juiz argentino Raúl Héctor Acosta.
O magistrado investiga o desaparecimento do jovem Héctor Aldo Fagetti em 25 de fevereiro de 1976, um mês antes do golpe militar que derrubou a ex-presidente, que mora em Madri desde 1981.
Acosta, que anunciou que já prepara a solicitação de extradição, considera que o desaparecimento foi possível graças aos decretos emitidos em 1975, durante o Governo da viúva de Perón, que autorizaram as forças de segurança a "aniquilarem" os elementos subversivos.
Os agentes da Delegacia Geral de Polícia Judicial que praticaram a detenção conduziram a viúva de Perón à Audiência Nacional a fim de colocá-la à disposição do juiz del Olmo.
Isabelita Perón, após ser liberada, deverá se apresentar a cada 15 dias à Justiça espanhola, informaram à Efe fontes jurídicas.
Del Olmo decretou a liberdade da detida a pedido da procuradoria e em aplicação do princípio acusatório que impede impor uma medida cautelar que seja mais grave que a solicitada pela acusação, neste caso o Ministério Público.
O juiz, que comunicou à viúva de Perón os termos da ordem de detenção, também a perguntou se ela estava concordava em ser entregue à Argentina, ao que esta respondeu negativamente.
Diante da negativa, entra em andamento o procedimento ordinário de extradição e se abre um prazo de 40 dias para que as autoridades argentinas apresentem o pedido formal de entrega e a documentação que deve acompanhá-lo.
Em relação a esta ordem de busca e captura da Interpol, o Governo argentino prometeu hoje que "não haverá pactos de impunidade" para casos de terrorismo de Estado durante a gestão de María Estela Martínez.
"Nós queremos reconciliação, mas com verdade e sem impunidade.
Por isso, é preciso conhecer a verdade, seja ela qual for. E não pode haver impunidade para ninguém", disse o presidente da Argentina, Néstor Kirchner.
Kirchner, que revelou que foi detido por duas vezes durante o Governo de Isabelita, não quis opinar sobre a decisão de Acosta, mas assinalou que "se os juízes entendem que houve terrorismo de Estado antes do golpe militar de 1976, seus responsáveis também deverão ser julgados".
O ministro do Interior, Aníbal Fernández, disse que não haverá "pacto de impunidade" e que Isabelita "terá que comparecer (aos tribunais), porque isso é o que deve acontecer, de acordo com as provas apresentadas".
Segundo Acosta, não há razão para que "os direitos humanos de pessoas desaparecidas antes do golpe militar tenham um tratamento diferente dos daquelas que o foram depois do golpe".
O desaparecimento de pessoas durante um Governo constitucional "não é menos terrorismo de Estado", afirmou. O juiz lembrou a existência de mais de 600 denúncias de desaparecimento anteriores à queda de "Isabelita".
Os decretos foram assinados pelo então titular do Senado, Ítalo Luder, em exercício da Presidência, enquanto Isabelita estava afastada devido a uma doença.
Apesar de a então presidente não ter assinado os decretos, Acosta disse que "ela é suspeita, e por isso acusada, de ter executado os termos dos decretos" e, como "comandante-em-chefe das Forças Armadas, a maior responsabilidade recai sobre ela".
Os decretos deram às forças de segurança poder para "proceder à execução das operações militares e de segurança" que fossem "necessárias para aniquilar a ação dos elementos subversivos em todo o território do país".
Este texto foi utilizado anos mais tarde pelos líderes das Forças Armadas que derrubaram Isabelita em 24 de março de 1976 para justificar suas ações violentas durante a ditadura, na qual desapareceram cerca de 18 mil pessoas, segundo dados oficiais, e de 30 mil, de acordo com organismos humanitários.
"Se alguém pensa que, com isto, pode parar os processos por violações dos direitos humanos na ditadura, está totalmente enganado", alertou Kirchner.
Isabelita também está na mira de outro juiz argentino, Norberto Oyarbide, que pode chamá-la a depor em um processo relativo a crimes de lesa-humanidade cometidos pela Aliança Anticomunista Argentina, o Triplo A, organização criada em 1973 por José López Rega, ministro do Bem-estar Social.
O "Triplo A", acusado de aproximadamente 1.500 homicídios políticos entre 1973 e 1975, foi um grupo para-policial de extrema direita.
O debate agora é se o próprio Perón, líder do Partido Justicialista (PJ, peronista), aprovou a repressão ilegal durante seu terceiro mandato, que começou em 1973 e cujo comando sua esposa assumiu após a morte do general, em 1º de julho de 1974, permanecendo no poder até o golpe militar de 1976.
A antiga disputa entre setores de esquerda e de direita dentro do peronismo, cujas vertentes extremistas mais violentas foram os Montoneiros e o Triplo A, respectivamente, ainda perdura e promete agitar novamente o partido governante.