Documentos recém-divulgados mostram que o ex-secretário de Estado Henry Kissinger demorou a informar o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, sobre a guerra do Yom Kippur (1973), para evitar que a Casa Branca interferisse, segundo um novo livro, que teve trechos publicados na segunda-feira pela Vanity Fair.
O historiador Robert Dallek passou quatro anos estudando os recém-abertos arquivos daquele governo, inclusive 20 mil páginas de transcrições de telefonemas de Kissinger e centenas de horas de gravações de Nixon, para escrever o livro "Nixon and Kissinger: Partners in Power" ("Nixon e Kissinger: parceiros no poder").
Dallek afirma que, quando Egito e Síria atacaram Israel, a 6 de outubro de 1973, Kissinger foi informado pelos israelenses às 6h (hora de Washington), mas só quase às 9h30 deu o recado a Nixon.
Dallek, que foi biógrafo do antecessor de Nixon, Lyndon Johnson, teve acesso também a quase 1 milhão de páginas de registros de segurança nacional e de partes inéditas dos diários do primeiro chefe de gabinete de Nixon, H.R. Haldeman.
Segundo o autor, os documentos revelam uma complexa relação entre dois homens propensos à paranóia, à insegurança, à manipulação e à crueldade. Mostram também que Kissinger ia ficando cada vez mais poderoso conforme Nixon mergulhava no escândalo Watergate.
Para Dallek, Nixon não acreditava que Kissinger tivesse capacidade de lidar com o Oriente Médio. "Nenhum judeu pode lidar [com a política do Oriente Médio]. [Kissinger pode ser] o mais justo possível, [mas] não pode ajudar, o que vai é ser afetado por isso. Ponha-se na posição dele. Bom Deus... Sua gente foi crucificada por lá. Jesus Cristo! Cinco milhões deles jogados em grandes fornos! Como diabos ele se sente a respeito disso?", teria dito Nixon.
No episódio da Guerra do Yom Kippur, Kissinger comunicou o fato a Alexander Haig Jr., chefe de gabinete do presidente, uma hora antes de contar ao próprio, segundo Dallek. Kissinger telefonou a Haig, que estava com Nixon na Flórida, dizendo: "Quero que você saiba que estamos em cima disso aqui".
Ele também pediu a Haig que mentisse à imprensa, dizendo que "o presidente foi mantido informado a partir das 6h", para que não parecesse que Nixon estava alheio. Quando Kissinger finalmente ligou para o presidente, às 9h25, este pediu a seu secretário que fingisse que a conversa teria acontecido antes.
Em 7 de outubro, diz Dallek com base em transcrições telefônicas, Nixon pergunta a Kissinger se o líder soviético, Leonid Brejnev, se manifestara sobre a situação no Oriente Médio. "Ah, sim, ouvimos falar dele". Desajeitado, Nixon teve de insisitir: "E o que ele falou?".
Em 23 de outubro, Kissinger e Haig comandaram o grupo que deveria preparar a resposta a Brejnev. Sem participação nem conhecimento de Nixon, diz Dallek, eles decidiram elevar o nível de preparação militar dos EUA para Def Con3, estágio atingido apenas uma vez antes.
Segundo Dallek, as transcrições mostram que, antes da reunião, Kissinger pergunta a Haig por telefone se deveria despertar o presidente. "Não", responde o assessor.
Meia hora depois, em outro telefonema, Haig pergunta se Kissinger conversou com o presidente. "Não, ele ia começar a reclamar. Não acho que devamos incomodar o presidente", responde Kissinger.
O ex-secretário insistiu que o país foi colocado em alerta militar por ordem de Nixon, mas Dallek afirma que não há documento ou transcrição provando que o presidente tenha aprovado a medida.