Mesmo enquanto centenas de milhares de pessoas voltam ao Vale Swat depois de ficarem desalojadas por meses de combates, um grupo importante está visivelmente ausente: os abastados donos de terras que fugiram do Talibã e que são o pilar econômico da sociedade rural.
A relutância dos donos de propriedades em retornar é um golpe significativo para a campanha militar paquistanesa de recuperar o Vale Swat como uma região estável e próspera do Paquistão, e apresenta uma oportunidade contínua para que o Talibã remodele o vale a seu favor.
Cerca de 50 proprietários de terras foram acusados nos últimos anos pelos militantes numa estratégia direcionada a fomentar uma luta de classes. Em algumas áreas, o Talibã recompensou camponeses sem-terra com lucros das colheitas dos proprietários rurais. Alguns camponeses ressentidos até se alistaram como parte da tropa de choque do Talibã.
Analistas afirmam ser difícil avaliar quantos desses camponeses permaneceram com os militantes talibãs durante a ofensiva armada do Paquistão nos últimos meses e quantos foram para os campos de refugiados.
Entretanto, relatórios mostram que o Talibã ainda tem a força para intimidar áreas importantes. O exército paquistanês continua a combater o Talibã em seus baluartes, particularmente nas regiões do Swat de Matta e Kabal, não muito longe da cidade principal, Mingora, onde muitos refugiados recuperaram suas casas.
Nessas regiões, o Talibã demoliu casas, matou um civil que trabalhava para a polícia em Matta e sequestrou outro, deixando especialistas em contra-insurgência preocupados. Eles temem que os refugiados possam ter sido estimulados pelas autoridades paquistanesas a voltar cedo demais.
A reconstrução da Swat, uma área fértil de orquídeas e florestas, é um teste crucial para o governo paquistanês e os militares, enquanto eles enfrentam insurgências talibãs por todo o cinturão tribal, particularmente no Waziristan, na fronteira com o Afeganistão.
Num sinal de falta de confiança sobre a segurança de Mingora, o exército paquistanês recusou recentemente uma solicitação por parte do enviado especial do governo de Obama, Richard C. Holbrooke, de visitar a cidade.
Houve nervosismo, disse um especialista em contra-insurgência dos Estados Unidos. O medo é que os planos das autoridades paquistanesas de construir novas forças policiais comunitárias no Swat não se materializem com a rapidez suficiente para proteger os civis que retornam – também carentes de serviços bancários e médicos.
"Não há aparato para substituir o exército", disse um oficial americano da contra-insurgência. "O exército será o escudo".
Cerca de dois milhões de pessoas fugiram do Vale Swat e arredores desde que as forças armadas paquistanesas iniciaram sua campanha, no final de abril, para conter o Talibã. As Nações Unidas disseram que 478 mil pessoas voltaram ao Swat até agora, mas alertaram que foi impossível verificar esse número, que foi informado pelo governo.
Os donos de terras, muitos dos quais criaram grandes milícias para combater os Talibãs no ano passado, disseram que o exército está novamente deixando de oferecer proteção suficiente a eles.
Outro fator que impede a volta deles é que a liderança do Talibã – responsável por mirar nos proprietários de terras como alvo e espalhar as pilhagens entre os camponeses sem-terra – permanece intocada.
A ausência dos donos de terras terá ramificações mais duradouras não apenas para o Swat, mas também para a província mais populosa do Paquistão, Punjab, onde as propriedades são extensas, e os militantes estão conquistando mais poder, disse Vali Nasr, conselheiro sênior de Holbrooke, o enviado dos Estados Unidos.
"Se os grandes proprietários de terras são mantidos afastados pelo Talibã, o resultado será a redistribuição das propriedades", disse Nasr. "Isso irá criar uma comunidade de apoio para o Talibã que vê benefícios na ausência dos proprietários de terra".
Em duas grandes reuniões com os donos de terras, as autoridades militares e civis do Paquistão solicitaram que eles retornassem à frente dos refugiados. Ninguém concordou em fazê-lo, segundo vários donos de terra e um oficial do exército.
"Sacrificamos tanta coisa. O que o governo e o exército fez por nós?", perguntou Sher Shah Khan, proprietário de terra da área de Kuz Bandai.
Ele agora está morando com 50 membros da família numa casa alugada a 96 km do Swat. Quatro familiares e oito serventes foram mortos tentando fugir do ataque talibã, disse ele.
Numa das reuniões, Khan afirmou ter pedido que comandantes do exército oferecessem armas para que os proprietários de terras pudessem se proteger sozinhos, como faziam no passado.
Os militares recusaram o pedido, disse ele, afirmando que combateriam o Talibã. Mesmo assim, soldados paquistaneses não protegeram suas terras, disse ele. Vinte de suas casas foram explodidas pelo Talibã depois que o exército ordenou a saída dele e de sua família das terras num prazo de duas horas, no último mês de setembro, disse ele.
Uma carta enviada no mês passado ao general Ashfaq Parvez Kayani, chefe do exército paquistanês, pedindo indenização não foi respondida, disse ele. Nesse meio tempo, um de seus inquilinos telefonou perguntando se poderia plantar na propriedade de Khan. Ele negou, mas não tinha ideia do que estava acontecendo lá, disse Khan.
Outros proprietários disseram ter ficado igualmente frustrados. O prefeito de Swat, Jamal Nasir, fugiu depois que seu pai, Shujaat Ali Khan, conhecido como o maior proprietário do Swat, evitou por pouco ser morto pelo Talibã. Nasir, também grande proprietário de terras, agora fica em sua casa em Islamabad.
Os principais membros do Talibã ainda estariam no Swat, ou talvez na vizinha Dir, disse Nasir. "Essas pessoas devem ser presas", disse. "Se não forem presas, vão voltar".
Outro proprietário, Sher Mohammad, disse ainda ter ressentimentos pelo fato de que o exército se recusou a ajudar quando ele, seu irmão e seu sobrinho combateram e expulsaram o Talibã durante 13 horas no ano passado, apesar de que soldados estavam posicionados a menos de 2 km. Mohammad foi baleado na virilha e perdeu um dedo na luta.
Numa das reuniões com os militares em Peshawar, Mohammad, importante político do Partido Popular Paquistanês, afirmou ter dito aos militares que não estava impressionado com o desempenho deles.
"Eles dizem que vão nos proteger. Mas não confiamos neles", disse Mohammad.
* Tradução: Gabriela d'Avila