A tradicional revista inglesa The Economist publicou, em sua edição de início de fevereiro de 2018 um provocador artigo com chamada de capa intitulada: “Doctor You” (“Você Doutor”, numa tradução livre), elaborada pelo ilustrador e designer italiano Luca D’Urbino (n. 1988). Na bela ilustração de capa, comprimidos e pílulas são distribuídos aleatoriamente espaçados, num padrão que matemáticos reconhecem como zeros (pílulas) e uns (comprimidos).
O provocador artigo, sobre cuidados com a saúde, levanta a possibilidade, bastante plausível diga-se, de uso em futuro próximo de uma ferramenta matemática revolucionaria chamada Big Data aplicada diretamente à saúde.
É claro que cuidados com a saúde demandam profissionais da área médica com excelente treinamento. É também fato que hoje a internet permite acesso a um grande número de informações médicas. Uma das mais básicas refere-se à monitoração de condições da saúde – quantos quilômetros percorreu, como anda a pulsação durante um exercício ou como anda o ciclo menstrual de uma mulher. Determinados jogos de videogame poderão diagnosticar se uma criança está hiperativa. Imagina-se que até mesmo o modo de escrever num tablet poderá predizer se existe uma tendência de mal de Parkinson. Mas estes dados, ainda esparsos, não conseguem fornecer um quadro mais abrangente – característica que a aplicação de algoritmos matemáticos com base em mais dados visa promover.
Em termos gerais, pode-se desenvolver um banco de dados de diagnósticos em formato de tabela onde, a título de ilustração, a primeira coluna representa se um paciente tem febre ou não, a segunda signifique pressão alta ou baixa, a terceira queira dizer se tem náusea ou não, e a quarta implique em se tem dor de cabeça ou não. Para simplificar, sim ou alta podem significar um, e não ou baixa, zero.
Todas estas características (sintomas) estão relacionadas ao conjunto de dados de três pacientes, que corresponderiam as linhas da tabela. Matematicamente, pesos podem ser associados a cada um destes sintomas (zeros e uns), que quando somados geram um número. Os matemáticos conhecem este tipo de número especial, denominado hipercomplexo, há muito tempo. Deve-se ao físico e matemático irlandês William Rowan Hamilton (1805 - 1865) a proposição inicial, também denominada de quaternion. A partir dos dados disponibilizados e a aplicação de pesos para cada sintoma, é possível calcular um número que poderá traçar um diagnóstico para cada um dos pacientes.
Um computador entende esta tabela de dados matematicamente como uma matriz. É possível portanto aplicar um modelo, baseado em dados elaborados por especialistas (médicos), que represente todas as situações plausíveis em termos de doenças, classificando as condições dos pacientes. E mais: será admissível predizer, com algum nível de certeza, qual a condição de um futuro paciente, ao se inserir novos dados de avaliação médica neste mesmo banco de dados. Quanto mais colunas (sintomas) e muito mais linhas (pacientes), melhor.
Este é um problema característico de Big Data, que consiste em encontrar a solução (ou diagnóstico) envolvendo a situação de cada paciente. É importante ressaltar que os sintomas devem ter sido estabelecidos por médicos, mas ainda assim uma planilha inicial de dados pode conter erros. Mesmo assim, é possível utilizá-los, e a precisão será tanto melhor quanto maior o número de informações (ou dados) de pacientes.
A partir de uma grande quantidade de dados, computadores podem hoje aprender novas regras e fornecer algoritmos, que nada mais são que regras simples. Dito de outra forma, estas incríveis máquinas são hoje capazes de literalmente aprender novas regras a partir de um enorme amontoado de dados. Por exemplo, no futuro celulares poderão indicar o grau de surdez, ajustando o volume ao usuário; smartphones poderão diagnosticar mais facilmente o surgimento de catarata ou mesmo a manifestação de câncer de pele na face. Tal avanço visa inclusive diminuir erros em diagnósticos.
Certamente, também há perigos à vista. Um maior acesso a situações de saúde de determinado paciente poderá dificultar a obtenção ou mesmo manutenção de planos de saúde, ou mesmo seguros. Políticas especificas deverão ser estabelecidas até mesmo para evitar que empresas deixem de contratar alguém que tenha alguma doença ou mesmo apresente a possibilidade de desenvolver alguma enfermidade no futuro. Seria ingenuidade não antecipar estas discussões provenientes de um desenvolvimento científico e tecnológico tão espetacular e em andamento.
Para tranquilizar tais situações futuras, países como a Suécia estão simplesmente disponibilizando acesso às informações médicas de seus cidadãos até 2020, antecipando tais diálogos sobre ética e melhores práticas da sociedade, e ainda por cima visando minimizar riscos. Já estão disponibilizados eletronicamente dados médicos de um terço desta população. Uma intenção desta prática é informar melhor os cidadãos da condição de saúde de seus habitantes; outra seria determinar melhor políticas de saúde e segurança pública para os próximos anos.
Por sinal, existem empresas de Big Data especializadas em genoma humano e árvores genealógicas, respectivamente 23andMe.com e MyHeritage.com, poderão traçar condições de saúde de populações inteiras, passadas, presentes e futuras, quando decidirem por combinar seus gigantescos bancos de dados. À parte discussões éticas preliminares, insistimos novamente: será necessário discutir as implicações destes novos desenvolvimentos científicos e tecnológicos embasados numa bela teoria matemática – o algoritmo genético, desenvolvido pelo físico e matemático americano John Henry Holland (1929 - 2015) na década de 1970.
Em suma, com esta nova tecnologia embasada em grande número de dados de pacientes, cada usuário terá condições de compreender melhor sua situação em termos de saúde, e embasadas em diagnósticos médicos pré-concebidos, poderá fazer escolhas mais acertadas, tornando-se também um guardião de sua própria saúde. E os diagnósticos deverão ocorrer mais rapidamente, literalmente num minutinho.
*Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA