Se você não sabe o que é um “boqueiro”, imagina que “fileiro” tem a ver com pessoa dada a filar cigarros e ficaria com cara de bobo se alguém quisesse conversar sobre “inelegibilidade reflexa” ou “irreelegibilidade”, então meu amigo, seus problemas acabaram. Chegou a hora de ter sempre à mão o Glossário Eleitoral Brasileiro, que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) colocou no seu portal da internet, para ajudar o eleitor a entender essa linguagem para muitos ininteligível. Decifrar esses termos é oportuno se for levado em consideração que o País se prepara para eleições gerais em 2010, quando brasileiros escolherão o novo presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e estaduais.
Assim, para que fique bem claro, “boqueiro” não tem nada a ver, no jargão eleitoral, com alguém atrás de uma boquinha para saciar a fome. Trata-se do “profissional de pesquisa de opinião pública que indaga dos eleitores, após a votação, o nome do candidato ou partido em que tenham votado. Essa atividade permite elaborar a previsão do resultado das eleições nos sistemas eleitorais majoritário e pluralitário [proporcionais]”.Pode designar, também, “o cabo eleitoral que faz um derradeiro esforço de convencimento do eleitor nos últimos momentos antes do ato de votar.
Já o “fileiro” é cabo eleitoral que faz o “trabalho de convencimento do eleitor na própria fila de eleitores prestes a entrar na seção eleitoral para votar”. Mas, atenção aos candidatos a “fileiro” em 2010: “O artigo 39, § 5º da Lei nº 9.504/97 preceitua que constituem crime, no dia da eleição, a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca-de-urna”. Já a “cabala eleitoral” é o “conjunto de manejos postos em prática pelos cabos eleitorais no intuito de conseguir votos favoráveis ao candidato indicado pelo partido político a que são afiliados”. Em outras palavras, o convencimento do eleitor pela lábia.
Muitos termos incorporados pelo TSE ao glossário evocam eleições do passado, quando as práticas ilegais eram comuns e escancaradas, embora ainda resistam em alguns municípios do interior do Nordeste. São basicamente dois os símbolos desse triste passado: o “curral eleitoral” e o “voto de cabresto”.
Coronelismo – A metáfora da imagem do curral para manipular o voto é muito semelhante ao cercado usado para reter animais. O eleitoral é o lugar “para onde se transportam e onde permanecem, são alimentados e festejados os eleitores, em dia da eleição, a fim de exercerem sobre eles estrito controle os chefes políticos e cabos eleitorais, evitando sua ‘contaminação’ pelos adversários. Os eleitores assim confinados só deixam o curral na hora de depositar o voto nas urnas, sob estritas instruções e vigilância de chefes e cabos eleitorais e seus prepostos”.
O fenômeno, conhecido como “coronelismo nordestino” – o poder absoluto exercido por “chefetes municipais”, que vicejou entre a segunda metade do século XIX e a primeira do XX –, era o responsável pela manutenção dos currais eleitorais. Esses régulos interioranos tinham ligações com as lideranças das capitais e forneciam a eles os votos necessários às eleições de candidatos dos seus grupos.
Nesse esquema, os coronéis levavam para os seus “currais” os eleitores que forneciam o “voto de cabresto” (note o termo rural que o caracteriza como no caso do curral). Esse voto é aquele dado pelo eleitor “aos candidatos que lhe são inculcados por um chefe político ou cabo eleitoral, sem que o votante – denominado ‘eleitor de cabresto’ – saiba exatamente em quem vota ou por que vota”.
Abusos – Por outro lado, os sucessivos escândalos eleitorais acrescentaram o termo “abuso do poder econômico” ao dia-a-dia do brasileiro. Foi esse tal “abuso” que resultou na recente cassação do mandato do governador do Maranhão Jackson Lago (PDT). Sua definição é a seguinte: “O abuso de poder econômico em matéria eleitoral se refere à utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições”. Fácil. Difícil é tentar acertar o citado “inelegibilidade reflexa” ou “irreelegibilidade”. O primeiro se refere à “inelegibilidade do cônjuge ou companheiro(a) e dos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, dos chefes do Poder Executivo federal, estadual e municipal ou de quem os tenha sucedido ou substituído dentro dos seis meses anteriores à eleição”.
O segundo é a impossibilidade de o chefe do Executivo vir a se candidatar novamente para o cargo do qual é titular. “No Brasil, pelo que dispõe a Constituição Federal, em seu art. 14, § 5º, a irreelegibilidade atinge prefeito, governador, presidente e seus respectivos vices no exercício de seu segundo mandato, uma vez que podem ser reeleitos para um único período subsequente”.
Canguru – Que dizer também de “voto australiano”? Simples. trata-se de voto com utilização de cabine, para maior privacidade do eleitor. Foi utilizado pela primeira vez na Austrália, em 1857, daí o nome. “Sufrágio capacitário” não dá nem para desconfiar. Conforme o glossário, é “o sistema de sufrágio limitado, opondo-se ao universal. Por ele, o eleitorado, isto é, as pessoas que têm a faculdade de votar, deve possuir um certo grau de instrução, comprovado pela posse de um diploma acadêmico ou pelo exercício de certas profissões. Por essa forma, os colégios eleitorais seriam constituídos simplesmente de pessoas que mostrassem certa desenvoltura intelectual”. Na primeira metade do século XIX, o fator limitante no Brasil era a renda. Ou seja: somente as pessoas que tivessem determinada renda anual podiam se inscrever para eleger os eleitores, que, por sua vez, estariam aptos a escolher os representantes do Legislativo.
Já o “santinho”, talvez o mais conhecido dos termos do glossário, como se sabe, nada tem a ver com o comportamento do candidato. Trata-se do “pequeno prospecto de propaganda eleitoral com retrato e número do candidato a cargo público”, distribuídos intensamente, principalmente no dia da eleição.