Marco Antonio Teixeira, cientista político e professor da FGV-SP
Mila Cordeiro | Ag. A TARDE
De passagem por Salvador, onde participou de uma banca de mestrado e de debate sobre transparência e corrupção na Faculdade de Administração da Ufba, o professor Marco Antonio Teixeira aposta que o TSE cassará a chapa Dilma-Temer, mas alerta que o país está numa “encruzilhada” com a ausência de lideranças para suceder Temer na presidência.
O presidente Michel Temer tem condições de permanecer no governo?
Hoje, nenhuma, porque ele perdeu coisas que são fundamentais, como a confiança da sociedade, que ele já não tinha muito. Ele entrou no governo, há um ano, rejeitado por quase dois terços da sociedade. Hoje, os que não querem Temer chegam a quase 90%. O episódio Joesley (sócio da JBS que em gravação negocia propina com Temer para comprar o silêncio de Eduardo Cunha na prisão), e tudo o que gravitou em torno disso, apenas consolidou essa antipatia que a população tem pelo governo, e que tem como origem uma frustração. O governo Temer veio para regenerar aquilo que foram os malfeitos do governo Dilma (ex-presidente do PT que perdeu o mandato pelo impeachment), mas o que se mostra claramente é que ele deu sequência a tudo aquilo que a sociedade não queria ver mais. Ou seja, o modo de fazer maioria no Congresso, de ceder a privilégios. Ao mesmo tempo, tem essa suspeita em torno do presidente, quando o Joesley Batista revela que teve um encontro na penumbra, praticamente secreto, com o presidente da República, discutindo coisas que são um atentado à própria República.
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Hoje, os que não querem (Michel) Temer (no governo) chegam a quase 90%
Marco Antonio Teixeira, cientista político
Julgamento
A análise final da chapa Dilma-Temer ocorrerá nesta terça-feira, 6, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Neste dia, haverá a leitura do relatório do ministro Herman Benjamin, a argumentação das partes (acusação, defesa e Ministério Público) e os votos dos ministros. A decisão final sobre o caso está prevista para ocorrer no período da noite
A discussão, hoje, é como se dará a saída de Temer e de que forma será feita a sucessão, se por eleição direta, indireta ou impeachment. Qual a sua opinião?
Estamos numa encruzilhada. Havia, antes do escândalo Joesley, a perspectiva de que, se cassasse Dilma, se preservaria Temer. Após o escândalo, o que fica evidente é que a saída é conjunta. Ou se cassam os dois ou não cassa nenhum.
A sua aposta é que o Tribunal Superior Eleitoral vai cassar a chapa?
A minha aposta é que vai cassar. Porque, se não cassar , depois de todas as evidências, de todo o processo que se abriu do ponto de vista público em termos de caixa-dois, financiamento de campanha, relações estranhas do ponto de vista do princípio republicano, seria uma frustração generalizada à própria sociedade. Agora, o grande debate é o dia seguinte.
E aí? como fica?
Temos duas saídas, e as duas não estão muito claras. A primeira, eleição direta, não é da noite para o dia. Tem de aprovar uma PEC (proposta de emenda constitucional), que não é nada trivial, porque ela requer maioria qualificada (3/5 ou 60% dos senadores e deputados em dois turnos de votação) e, obviamente, vai haver obstrução à agenda em um Congresso que não caminha linearmente... Então não dá para imaginar que em menos de três ou quatro meses esta PEC seja aprovada. Depois de ela aprovada, ainda tem de se regulamentar tudo, tem de organizar a eleição. Então, uma transição pós-Temer para eleições diretas, no melhor dos cenários, ocorreria no final do ano. Para ter um ano de mandato? Governar com o mesmo Congresso? É difícil! Mas a melhor saída, sem dúvida, são eleições diretas, porque você reconecta o governo com a sociedade. Ele ganha legitimidade, mas a operacionalidade, hoje, é um grande obstáculo.
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A minha aposta é que vai cassar. Porque, se não cassar , depois de todas as evidências... seria uma frustração generalizada à própria sociedade
Marco Antonio Teixeira, cientista político
A eleição direta seria só para presidente e vice ou eleições gerais, como alguns defendem?
Eu defenderia eleições gerais, porque uma das grandes questões que se colocam é que Temer assumiu o governo para regenerar o governo, mas governou com o mesmo modus operandi, os mesmos atores que governaram com ele e com o PT por muito tempo. Então, se for para pensar em legitimidade, que se pense no processo como um todo. Agora, a segunda opção, que é o processo sucessório dentro da regra do jogo atual, que é por eleições indiretas, também não é nada fácil, porque vai carecer de legitimidade. Quem é o primeiro sucessor do Temer? É o Rodrigo Maia (deputado federal do PMDB-RJ e presidente da Câmara), que é citado na Lava Jato e também tem contas a prestar e esclarecimentos a fazer que não virão agora. Sem dúvida alguma, ele, na condição de presidente, vai se expor muito mais a um padrão de desgaste que a gente não sabe onde vai dar. Onde estão os líderes, quem seriam os líderes que, de certa forma, seriam confiáveis à sociedade num processo como este? Infelizmente não temos.
Fala-se no senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e em Fernando Henrique Cardoso.
O PSDB fala em colocar Jereissati, mas é um grande paradoxo isso, porque o que agora está sendo julgado (no TSE) é uma liminar do PSDB. É uma ação do PSDB que vai derrubar, em tese, um governo do qual o próprio PSDB faz parte e do qual o próprio PSDB vai suceder. Mas quando você olha para política, você não vê nomes, e quando você olha para fora da política, você vê nomes que ao mesmo tempo podem passar uma mensagem muito ruim para a sociedade. Ou seja, vamos trazer um nome da Justiça, mas será que política é problema de Justiça? Vamos trazer um nome da Polícia Federal? O ideal é uma saída política para um processo dessa natureza. Mas aí as lideranças, que nós não temos, teriam que estar costurando isso como uma transição, para pensar em 2018 como um processo que, de certa forma, vai marcar o fim de um ciclo de instabilidade enorme, política e econômica, que começou em 2014. Na realidade o que estamos vendo é que 2014 não terminou. Provavelmente vai terminar com o julgamento final do TSE.
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É uma ação do PSDB que vai derrubar, em tese, um governo do qual o próprio PSDB faz parte e do qual o próprio PSDB vai suceder
Marco Antonio Teixeira, cientista político
Se a aprovação da PEC é difícil, se para eleições indiretas o Congresso carece de legitimidade, como desatar esse nó, então?
É difícil desatar. É por isso que política deve ser encarada como um processo de construção. Se as saídas não estão dadas, então tem de se construir saídas.
Os partidos de esquerda, que defendem eleições diretas, já estão pensando nisso dentro das eleições indiretas.
Se pensarmos a esquerda como PT, o PT está jogando dos dois lados. Ao mesmo tempo que faz eleições indiretas, Lula está se movimentando para fazer um acordo. Então, a posição do PT é muito ambígua. Se pensar do ponto de vista do PSOL e da Rede, eles já vêm falando de eleições diretas há algum tempo. Mas, mesmo com eleições diretas, o problema dos líderes está colocado. O problema político nosso é mais profundo do que a crise, porque é problema de credibilidade. Parte dessa credibilidade se resolve com eleições. Mas ela pode se acentuar se o resultado não apontar para lideranças que reconectem essa distância entre estado e sociedade e reconectem algum grau de confiança na política.
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Se pensarmos a esquerda como PT, o PT está jogando dos dois lados. Ao mesmo tempo que faz eleições indiretas, Lula está se movimentando para fazer um acordo
Marco Antonio Teixeira, cientista político
Quem afinal seria esse Tancredo ou esse Ulisses, capaz de apontar uma saída?
É difícil você achar dentro do Congresso ou da estrutura partidária um nome que seja unificador, que construa algumas pontes nesta polarização irracional que alcançou o país. Por isso que é mais fácil sentar, conversar e tentar desenhar. Talvez essa liderança não seja alguém não tão visível do ponto de vista da política, mas que atua politicamente. Então, o melhor remédio neste momento é construir saídas e não debater saídas conservadoras, apontar para líderes que estão postos e escolher. Talvez seja uma terceira via, que a gente não vê ainda, mas a classe política tem de construir isso.
A votação do chapa Dilma-Temer no TSE, na próxima terça-feira, então, é que vai sinalizar o caminho a seguir?
A votação do TSE vai sinalizar se o processo vai ser dentro da regra do jogo ou se eleição direta é possível. Acredito que se o TSE tomar a decisão pela cassação e não houver recurso, a tendência é por eleição indireta. Se o TSE não absolver, houver pedido de vista e a coisa se prolongar, a pressão pelas diretas tende a aumentar. De todo modo, o dia 6 é um paradigma, depois do dia 6 a gente começa a enxergar alternativas mais concretas de saída, não de pessoas.
E o Supremo, a depender dos desdobramentos, vai aguardar até ser provocado para se manifestar?
Em qualquer cenário, o Supremo vai ser provocado. Porque o grupo do Temer pode recorrer caso ele seja alijado do Congresso. Caso Temer seja beneficiado, a oposição vai recorrer, como já entrou com recurso, por exemplo, no caso da MP que preserva o foro privilegiado do Moreira Franco (ministro da Secretaria Geral da Presidência). Então, o STF vai ser demandado a todo momento, porque a classe política brasileira, infelizmente, não consegue construir acordos, construir saídas e enxergar algum processo decisório dentro da própria esfera política. Depois reclamam de judicialização da política.
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A polícia tem outro papel e ela deve esperar ser demandada, dentro da regra do jogo
Marco Antonio Teixeira, cientista político
Com dois processos de impeachment em pouco mais de um ano, a democracia brasileira corre risco?
Eu espero e acredito que não. Porque as respostas que estão sendo dadas são dentro das regras do jogo ou são dentro da política. Creio que o que vai fortalecer a democracia no Brasil, como resultado deste processo, é uma renovação de lideranças e um compromisso mais republicano delas. O que os escândalos de corrupção mostraram é que as lideranças políticas não separaram o público do privado e viram na política um instrumento de enriquecimento pessoal e de busca de vantagem. É hora de romper com isso.
A Lava Jato tem contribuído com esta arrumação?
A Lava Jato deu uma grande contribuição para este processo de arrumação. Agora, acho que estamos vivendo um momento de impasse, cuja saída é mais política do que de polícia. Porque quem faz a democracia é a política. A polícia tem outro papel e ela deve esperar ser demandada, dentro da regra do jogo.