Para o cientista político Felippe Ramos, Brasil precisa deixar o conflito ideológico de lado para não afetar parcerias comerciais
Após se manter em silêncio por alguns dias em relação a eleição de Biden, o presidente Jair Bolsonaro voltou a causar abalos nas relações diplomáticas do Brasil após rebater a fala do democrata sobre a possibilidade de adotar sanções econômicas caso o país não controlasse as queimadas na Amazônia. Bolsonaro disse: “Só na diplomacia não dá. Depois que acabar a saliva, tem que ter pólvora".
Historicamente conhecido por sua posição técnica e neutra na diplomacia mundial, o Brasil vem cada vez mais se portando, durante o governo Bolsonaro, como um ator ideológico. Em entrevista ao programa Isso é Bahia, da rádio A TARDE FM, o cientista político e professor de Ciências Políticas e Relações Internacionais, Felippe Ramos, avaliou as consequências de falas como essa para as relações externas do país.
"A fala do presidente Bolsonaro foi considerada muito atípica para as relações internacionais, principalmente se tratando de uma relação com a principal potência política, econômica e militar do mundo. Mas obviamente o presidente não tem qualquer intenção de gerar algum tipo de conflito bélico, como se falou pelas redes sociais. Me parece que a intenção é a de aumentar a margem de barganha com o presidente norte-americano, isto é, quando você ameaça muito as relações com outro país, e sabendo que o Joe Biden também vai receber um país com muita divisão e inúmeros problemas internos que ele precisa resolver, a última coisa que o democrata vai querer é um conflito com o maior país da América do Sul. Então em grande medida o Bolsonaro está falando para o público interno e sua base de apoiadores e em outra ele quer aumentar a sua barganha. É uma escalada de um conflito verbal e retórico que mostra que o Brasil quer essa posição de negociação. ", avaliou.
Para Felippe, as bravatas de Bolsonaro não devem ir muito longe por pressão interna dos próprios apoiadores do governo. Tendo nos EUA o seu principal parceiro para exportação de produtos industrializados, o Brasil não pode se se dar ao luxo de investir em uma relação antagônica com o novo presidente, que não pode ser colocado em um campo ideológico tão oposto ao de Bolsonaro como tem se convencionado por parte dos apoiadores do presidente brasileiro.
"Os militares brasileiros são muito pragmáticos, os Estados Unidos são o nosso principal parceiro para produtos industrializados e as indústrias brasileiras sabem disso. São um grupo de pressão que irão pressionar o presidente a manter uma relação pragmática com o governo Biden que tampouco é de esquerda, como vem se colocando aqui no Brasil. Ele é um defensor do capitalismo e das relações de mercado. Ele estaria muito mais próximo de um PSDB do que de um PT então não há essa relação entre direita e esquerda que estão querendo imputar", disse.
Relação essa, que nunca mediu a atuação do Brasil nas relações internacionais em outros governos. Mesmo gerido por atores da direita, como Sarney e FHC, e esquerda, Lula e Dilma, o país sempre teve a sua grande participação na diplomacia mundial reconhecida como apontou Felippe.
"Independente de esquerda ou direita, o Brasil sempre foi um ator importante nas relações internacionais justamente pela sua capacidade diplomática. O Brasil não tem o poder econômico das grandes potências mundiais ou o poder geopolítico mas foi um estado importante para a criação do estado de Israel em 1948 com grande protagonismo do diplomata Oswaldo Aranha, o Brasil é sempre o primeiro país a discursar nas assembléias da ONU, como um reconhecimento por esse soft power que a diplomacia brasileira tem. Reconhecida por ser técnica, profissional e neutra".
Ainda de acordo com Felippe, para evitar um isolamento externo, que é potencializado pela saída de Trump da Casa Branca e pelos conflitos ideológicos com a China, principal parceiro comercial do governo que apesar disso se coloca como antagonista ideológico, e com a Rússia, por conta da questão da Venezuela, o governo Brasileiro deve investir numa mudança de postura que rejeite essa posição doutrinária.
"Vai ter que mudar de postura e a pressão concreta para isso é muito forte. O governo tem várias alas e em algumas delas existe esse pragmatismo. Nos ministérios da Economia e da Infraestrutura podemos ver isso. Infelizmente as relações internacionais foram alocadas para para um cenário ideológico. O ministro das Relações Exteriores é um seguidor do astrólogo Olavo de Carvalho e isso tornou o Brasil um ator atipíco no cenário mundial já que nunca foi um ultra ideológico em suas relações internacionais. Mas há uma necessidade de pragmastismo. Quando o Brasil afirmou que iria mudar sua embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, que seria uma indicação que o Brasil não reconhece mais a solução de dois estados no conflito Israel-Palestina e toma o lado de Israel, acabou não cumprindo. O Brasil critica muito a China mas é o nosso maior parceiro comercial. Então o governo acaba falando bastante e fazendo menos. Não que falar não tenha consequências reais pois tem. Não conseguimos conquistar mais mercados e ampliar parcerias por conta disso mas a manutenção do já existente tem sido feita", pontuou