Dezenas de agricultores de Ilhéus, Una e Buerarema voltaram a protestar contra o relatório da Fundação Nacional do Índio (Funai), que prevê a demarcação do território tupinambá em 47.370 hectares.Segundo os produtores, a reserva abrange a fronteira agrícola mais produtiva desses três municípios, no sul do Estado.
Com cinco tratores, três caminhões e muitas faixas, eles percorreram as ruas do centro de Ilhéus, nesta quinta, 18, encerrando o movimento na Praça J.J. Seabra, em frente à Prefeitura, com um ato público e distribuição de produtos cultivados nessa área em litígio. Este foi o segundo protesto (o primeiro foi dia 5, em Buerarema) e o próximo será no balneário de Olivença, ainda sem data marcada.
Luiz Henrique Uaquim, um dos líderes da comissão de produtores, chama a atenção das autoridades para os danos que a demarcação vai trazer para a região e para os 2.800 pequenos e médios agricultores que serão tirados de terras que ocupam, muitos há mais de 50 anos.
Para se ter idéia da dimensão da área reclamada pelos índios, o produtor diz que ela representa 26% de todo o território de Ilhéus, em área rural e no balneário de Olivença, e ainda grande parte da zona rural de Una e Buerarema. Nesse local estão centenas de propriedades rurais, além de residências, comércios, hotéis e vários outros empreendimentos.
Na avaliação dos agricultores, a demarcação dessa área provocará uma crise no sul da Bahia maior que a causada pela vassoura-de-bruxa, ampliando a depressão econômica, o desemprego e jogando pessoas que sempre viveram no campo nas periferias da cidade, onde não terão condições de sobrevivência.
O pequeno agricultor, Manuel Leoneli, de 63 anos, sobrevive com os 13 filhos do cacau, café e banana que cultiva em 23 hectares da Fazenda Deus me Deu, na área de Pedra Branca, em Una. “Se perder minhas terras vou parar debaixo da ponte”, queixa-se. O mais grave, segundo eles, é a violência instalada numa área pacificada, que começou com a invasão de 16 fazendas nesses três municípios, por mestiços que se dizem índios. Uma delas foi a Santa Rosa, em Una, do produtor José Elias Ribeiro. Ele relata que perdeu metade do seu patrimônio e seus funcionários ficaram sem casa e pertences.
O produtor entende que o governo cuide dos índios, mas observou que “não é marginal, paga seus impostos e não pode ser lesado dessa maneira”. José Elias diz que não resistiu, mas ressalta que o clima vai piorar, porque os outros fazendeiros vão reagir. Emocionado, Sebastião Pereira, trabalhador rural da fazenda invadida, disse que os infratores chegaram na fazenda armados com revólveres e renderam todos os moradores. Não satisfeito, o grupo ainda queimou casas, saqueou a fazenda, levou móveis e eletrodomésticos e ainda matou bois para comemorar a invasão com cachaça.
Prefeitura - O prefeito de Ilhéus, Newton Lima, se posicionou contra o relatório da Funai e disse que a demarcação é um "ato insano" que o município não vai permitir que se concretize.
Morador em Olivença, o vereador Alcides Kruschewsky diz que a demarcação "é uma fraude" que os produtores vão desmontar quando entregarem ao Ministério da Justiça os relatórios histórico e antropológico que integram a defesa coletiva do grupo.
Luiz Henrique Uaquim, presidente da comissão de produtores, diz que tem prazo para encaminhar a defesa até 18 de agosto, mas vai entregá-la ainda em julho. Marcelo Mendonça adiantou que os produtores também pediram um parecer jurídico ao ex-ministro do STF, Ilmar Galvão, para complementar a defesa. “Queremos que o ex-ministro venha à região para ver de perto a realidade”, diz Mendonça.
Além do aspecto técnico, os produtores estão agindo na esfera política, buscando apoio das lideranças regionais e estaduais. Na semana passada, a comissão de produtores teve audiência com o secretário estadual de Justiça, Nelson Pellegrino, que estaria empenhado em apurar os vícios do processo de demarcação e impedir que ele chegue ao Supremo Tribunal de Justiça, segundo Luiz Henrique, que participou da audiência.
Pellegrino teria marcado audiência dos produtores com o governador Jaques Wagner para impedir a demarcação. A questão também será discutida na Assembléia Legislativa, numa sessão especial que será marcada pela deputada Ângela Souza logo após o recesso parlamentar. Segundo o vereador Alcides Kruschewsky, o relatório da antropóloga Susana Dores de Matos Viegas, contratada pelos produtores, nega a presença de tupinambás na área reclamada. “Se o governo federal quer dar terra, que implante políticas públicas, desaproprie terras improdutivas e instale os índios”, diz.
Alisson Mendonça, também vereador em Ilhéus, diz que se preocupa com o direito de pessoas que têm títulos e documentos em cartório há quase 100 anos. “Não lutamos contra os índios, mas contra um processo viciado”, assinala ele, acrescentando que o sul da Bahia não é a Raposa Serra do Sol, em que os agricultores invadiram sabendo que era terra indígena”.
Racismo – Em carta distribuída à população, lideranças tupinambá afirmam que estão sofrendo ataques de um “pequeno grupo sem bandeira e sem rumo”, mas que tem poder e apoio político e tenta desmoralizar a luta indígena, comparando os índios à vassoura-de-bruxa, a praga que quase dizimou o cacau e precisa ser extirpada”.
Esse comportamento, diz a carta, tenta colocar a população regional contra o povo tupinambá, utilizando-se de dados falsos e incitando pequenos a lutarem contra pequenos. “Esse grupo prega o ódio racial, porque não nos acha à altura de ter de volta as terras que foram tomadas à força de nossos antepassados e que constitucionalmente nos pertencem”, diz outro trecho do documento.
Mais adiante, os índios afirmam que a luta pela terra é justa e que conseguirão derrubar preconceitos e reafirmar a identidade tupinambá, violentada ao longo da história por portugueses, coronéis do cacau, e, agora, por pessoas preconceituosas, que não vão conseguir enfraquecê-los na busca por Justiça.
“Não seremos causadores de nenhuma guerra, queremos nossa terra de forma pacífica, pois o nosso sangue já correu no passado, manchando toda a extensão destas praias, nossos mártires, a exemplo do Caboclo Marcelino, estão aí para nos lembrar que esta terra não nos foi dada por concessão”, diz a carta.