Meire Oliveira | Foto: Xando Pereira | Ag. A TARDE
Mãe Stella foi consagrada a Oxóssi aos 13 anos por Mãe Senhora
Quis Oxóssi em uma quinta-feira – dia dedicado a ele – e especial – a última de 2018 – deixar seu reino mais animado e convocou o 'Caçador de Alegria'. O termo é a tradução de Odé Kayodê – nome sagrado de Maria Stella Azevedo Santos, ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá que morreu, ontem, aos 93 anos, às 16h.
"O momento é de orgulho da qualidade desse ancestral que dignificou, honrou e ofereceu seus préstimos no crescimento da religião e para que o candomblé fosse visto de forma digna. Sem contar o carisma e humor refinado. Era jovem e gostava de brincar. Deixava o ambiente mais leve e estava sempre pronta para acolher e ajudar", contou o doutor em educação e religioso do candomblé, Jaime Sodré, que era chamado de 'meu príncipe' pela religiosa.
A internação teve início dia 14/12, no Hospital Incar, em Santo Antônio de Jesus (Recôncavo baiano). Ontem, boletim assinado pelo coordenador médico José Geraldo de Souza Castelucci e o diretor médico Gilmar Ribeiro Dias atestava óbito por "sepse de foco urinário, bem como insuficiência renal crônica associada a hipertensão arterial sistêmica".
Com 42 anos de sacerdócio – Mãe Stella foi consagrada a Oxóssi aos 13 anos por Mãe Senhora – o sentido de cuidar de vidas é anterior, pois era enfermeira. É a 5ª na sucessão do Afonjá já comandado por Eugênia Anna dos Santos (Mãe Aninha – fundadora em 1910), Mãe Dadá, Mãe Senhora e Mãe Ondina.
"Era a mãe de todo o povo da Bahia e de importância significativa para a vida religiosa do estado. Ela conseguiu atrair os segmentos mais significativos da sociedade, legitimando o candomblé e sua obra permanece", disse Jeferson Bacelar, doutor em antropologia e pesquisador do Ceao/Ufba, um dos organizadores do livro Faces da Tradição Afro-Brasileira, que traz análise do manifesto liderado por ela, em 1983, contra o sincretismo, com o apoio de Mãe Menininha do Gantois, Doné Nicinha do Bogum, Mãe Teté da Casa Branca e Olga do Alaketo, durante a II Conferência Mundial da Tradição Orixá e Cultura.
Atuou firme contra a intolerância religiosa, preservação da religião e o racismo. "Como ela, tenho a esperança que toda a luta dela e de outras pessoas consiga fomentar o respeito, que é a base de tudo e fortalece nossa crença", contou a ialorixá do Terreiro do Cobre, Valnízia Pereira Bianch, que tinha a postura como líder espiritual admirada por Mãe Stella.
Como provedora – característica do orixá ao qual foi consagrada– deixa amplo legado imaterial e material com obras como E Daí Nasceu o Encanto (co-autoria com Cléo Martins), 1988; Meu Tempo É Agora, 1993; Òsósi – O Caçador de Alegrias, 2006; Owé – Provérbios, 2007; Epé Laiyé- Terra Viva, 2009; Opinião, 2012; Ófun (Coleção Odu Àdajó), 2013; O que as Folhas Cantam (para quem canta folha), 2014; e Abrindo a Arca, 2014.
Foi a primeira negra e ialorixá na Academia de Letras da Bahia (2013). Ocupa a cadeira 33, que tem Castro Alves como patrono. De 2011 a 2014, em A TARDE, foi a primeira ialorixá no Brasil articulista regular em um jornal de grande circulação e ganhou o Prêmio Estadão (2001).
O título de Doutor Honoris Causa foi concedido pela Ufba (2005) e Uneb (2009). Foi condecorada com a Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura, a comenda Maria Quitéria e a Ordem do Cavaleiro.
Sepultamento
Na noite de ontem, a prefeitura de Nazaré anunciou no Facebook o velório no Salão Nobre da Câmara de Vereadores, e que o sepultamento está previsto para 16h de hoje. No entanto, segundo o presidente da Sociedade Cruz Santa do Ilê Axé Opô Afonjá, José Ribamar Feitosa, o anseio é realizar o rito fúnebre em Salvador: "Esperamos poder realizar as obrigações que a situação exige. Que ela seja recebida em paz no orún e os filhos de santo tenham paciência e sabedoria para conduzir seu legado da melhor maneira possível".
O terreiro deve ficar fechado por um ano, quando, por meio de jogo divinatório, ocorrerá a escolha de quem assume a liderança. Procurada por A TARDE, a companheira de Mãe Stella, Graziela Domini Peixoto, não atendeu ligações até o fechamento desta edição.