Graças à divulgação de setenta e cinco mil documentos militares secretos americanos sobre a guerra do Afeganistão, entre 2004 e 2009, pela organização independente WikiLeaks (clique aqui para acessar), o mundo tomou conhecimento dos horrores, equívocos, mentiras e desvios cometidos pelos Estados Unidos e seus aliados contra os grupos armados talibãs e a Al-Qaeda. Outros 15 mil documentos (obtidos possivelmente de uma fonte militar americana) deverão ainda ser divulgados, apesar das pressões.
Mais de US$ 300 bilhões já foram gastos e os talibãs continuam resistindo aos ataques, levando a crer que esta guerra nunca será vencida pelos EUA e nem Osama Bin Laden, líder da Al-Qaeda e dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, será morto ou detido. Não se sabe sequer se ele está vivo.
Morte de civis (mais de dois mil e não apenas 195), incluindo crianças, apoio de autoridades militares paquistanesas aos talibãs, uso de mísseis terra-ar pelos talibãs, operações da Agência Central de Informações (CIA) e redes políticas de corrupção são algumas das revelações explosivas desta enciclopédia online de documentos vazados, que se tornou mundialmente conhecida ao ser premiada, em 9 de junho de 2009, pela Anistia Internacional na categoria informação jornalística com o trabalho Quênia: o grito do sangue (relatório extrajudicial de assassinatos e desaparecimentos). Os documentos oriundos da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quênia, de setembro de 2008, comprovaram que mais de 500 pessoas foram mortas ou sumiram em operações policiais acobertadas pelo governo.
Fundada em 2006, a organização deu ainda furo internacional, em 5 de abril deste ano, ao divulgar vídeo militar (Assassinato colateral) mostrando três ataques de um helicóptero Apache, em 12 de julho de 2007. Dezoito pessoas morreram, incluindo dois jornalistas da agência de notícias britânica Reuters, que investigou o caso sem sucesso.
Respaldada nas leis americanas de liberdade de informação e com servidores de banco de dados instalados em diferentes países, a WikiLeaks defende a divulgação destes documentos para provar que as estratégias militares e políticas de governo americano estão erradas e que precisam ser mudadas.
O australiano Julian Assange, de 39 anos, editor e fundador do site, explica que, graças à garantia de proteção de anonimato de suas fontes e às doações privadas, consegue divulgar online documentos secretos com comentários após sua verificação, tradução e decodificação. Tal divulgação seria quase impossível para organizações jornalísticas tradicionais por causa dos altos custos envolvendo arriscadas implicações judiciais.
Apesar de todas as críticas oficiais, de que a WikiLeaks estaria colocando em perigo a vida dos militares americanos e colaboradores afegãos e paquistaneses, Assange e sua rede de colaboradores anônimos, como ativistas, jornalistas e analistas de sistema de informação, garantem que estes documentos da guerra do Afeganistão são de inquestionável interesse público e se limitam a ações ocorridas até 2009.
Estes documentos revelam que as operações com vítimas civis eram camufladas pelos EUA, acusa a Human Rights Watch, grupo de defesa dos direitos humanos, citado pelo jornal britânico The Guardian, que publicou, dia 25 de julho, ampla reportagem sobre os documentos, simultaneamente ao New York Times e à revista alemã Der Spiegel.
O Paquistão é considerado pelo Departamento de Estado o país onde o terrorismo está mais atuante no mundo, em função da Al-Qaeda paquistanesa, o que, de certa forma, confirma as revelações dos documentos militares vazados. Por isso, jornais do porte do New York Times decidiram pela publicação com base no direito à informação de relevante interesse público, também garantido pela lei americana Freedom of Information Act.
Apesar de todas as implicações éticas e legais, Assange mostra coragem ao afirmar que somente com transparência das ações governamentais será possível reduzir a corrupção e fortalecer as democracias.
Ranulfo Bocayuva l Jornalista e diretor-executivo do Grupo A TARDE